Durante muitos anos, fiquei absorvido apenas com o mundo das ideias. Dedicava algumas horas ao trabalho diário e o restante do tempo entregava-me ao prazer da leitura e do cinema. Cresci cercado de tias que, junto com minha mãe, se encarregavam dos afazeres domésticos. Como num passe de mágica, a casa estava sempre limpa e as refeições postas à mesa. Desde cedo adquiri respeito pelas pessoas que participavam dessas tarefas tão pouco valorizadas e que, no entanto, garantem o nosso bem-estar.
Mas nunca fui chamado a participar ou mostrei interesse em aprender algo que se relacionasse a isso. Foram necessários quase cinquenta anos para que me desse conta da importância de desenvolver algumas habilidades nessas áreas. Hoje posso dizer, com orgulho, que sei cozinhar, lavar, passar e limpar. E normalmente faço isso com renovado prazer. São momentos de fadiga, mas também de inserção nas engrenagens da existência. Aprecio cada vez mais a ideia de cansar o corpo, aliviando o cérebro de suas exaustivas e ininterruptas atividades. Quando colocamos nossos músculos em ação, abdicamos desse fluxo incessante de pensamentos que tantas vezes é fonte de ansiedade e apreensão. É como se autorizássemos a nós mesmos um plano de sobrevivência mais gentil, distribuindo equilibradamente as nossas capacidades.
Faço estas digressões depois de ser lembrado por meu amigo Ademar Sebben do famoso princípio vitruviano: "Mens et Manus". Mãos e mente. O romano Marcus Vitruvius Pollio (80 a.C – 15 a.C.), autor da famosa obra De Architectura, acreditava que os artistas (mas também as pessoas comuns) deveriam não só ser criativos, como desenvolver a capacidade de aprender. Só podemos falar sobre aquilo que fazemos. Isso significava ir além da teoria. Uma concepção que, de certa maneira, coincide com os pressupostos renascentistas. E que se choca cada vez mais com o que se preconiza na nossa época, em que os especialistas são extremamente respeitados e os que se interessam pelo que há em campos diversos são olhados com desconfiança, categorizados como diletantes. Meu talento, se por acaso tenho algum, é o de saber juntar com certa experiência e felicidade algumas palavras. Não falo outras línguas e não sei tocar nenhum instrumento musical. Desconheço canto e dança. Consolo-me ordenando o espaço que habito, fazendo com que meu cotidiano dependa cada vez menos dos outros para encontrar ordem e garantir um mínimo de conforto. Aprendi, com o grande mestre budista Thich Nhat Hanh, que uma das melhores formas de meditar é estar presente nas ações que repetimos em nosso dia a dia. Assim o é de fato, comprovo-o eu mesmo.
O homem que aspira à completude pensa e age. Não vê demérito em usar suas mãos. Observa o movimento e nele se insere. Nada desdenha, pois sabe que tudo pertence à categoria do essencial. Reflete e interage. Sabe que existe beleza tanto em criar uma sinfonia quanto em preparar seu alimento. Não existem hierarquias mais ou menos nobres, mas tão somente