O americano Marc Prensky, especialista em educação, criou uma expressão amplamente divulgada entre todos os que estudam o impacto que as novas mídias provocam nas atuais gerações de crianças e adolescentes: nativos digitais. São aqueles que já nasceram imersos no universo da internet. Não vivem o conflito de ter de se adaptar a uma realidade até então estranha ao seu mundo. Sequer imaginam que um dia as coisas foram diferentes e que era possível ser feliz sem estar constantemente conectado. Suas observações apresentam dados inquestionáveis. Porém, em alguns pontos me parecem de um radicalismo tendencioso, a serviço de uma ideia que ainda encontra alguns descontentes.
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O exemplo mais contundente se dá quando ele diz que a noção de privacidade é superestimada. É preciso ao constatar que ela se transformou de algo valioso e criteriosamente cultivado para um não valor, uma espécie de incômodo ao qual se deve fugir, sob risco de estar perdendo a melhor parte da vida. A palavra mágica passou, então, a ser esta: compartilhar. É uma evidência que encontra sustentação num prosaico passeio no shopping, no universo doméstico ou de trabalho. Mas não posso concordar quando tenta nos convencer de que não estamos perdendo nada de importante ao tornar público o que até então tínhamos o hábito de manter restrito no âmbito particular. Como não? Essa foi uma das grandes conquistas da história, resultando na capacidade de interiorização, provendo-nos de exercícios reflexivos que resultam numa maior compreensão do que nos cerca.
Pense numa época emblemática: o período medieval. Mas detenha-se também nos séculos que o sucederam. Em raros momentos homens e mulheres podiam usufruir da própria solidão, pois tudo estava imiscuído no coletivo, sequer considerando a possibilidade de que cada um tem anseios particulares. A noção de que podemos e devemos reservar uma cota de pensamentos e ações só para nós demorou muito para ganhar status de direito, e depois de necessidade. Sem falar que, francamente, é quase acintoso impor aos outros a pequenez de nosso cotidiano, como se ele contivesse, ininterruptamente, manchetes dignas da primeira página de um jornal.
Tenho procurado ser mais generoso com as constantes mudanças às quais estamos sendo expostos. Não considero inteligente contrapor-se ao que tornou a nossa existência muito mais fácil, ampliando o acesso ao conhecimento e à informação. Só me autorizo a continuar mantendo uma postura crítica, abstendo-me dessa espécie de ditadura branca que me obriga a aderir a toda novidade, sob o risco ser considerado obsoleto, ultrapassado. Poder escolher é uma das mais saudáveis práticas filosóficas às quais o ser humano pode se entregar.
Devo parecer estranho a muitos, pois ainda cultivo o hábito de me manter reservado. E de crer que a melhor maneira de se relacionar é cara a cara. Muito estranho.