Nossa época poderá ser lembrada como a da conquista dos direitos individuais e de uma consequente obrigação à felicidade. Passamos a olhar com encantamento para o próprio umbigo e a exigir nosso lugar ao sol, num mundo cada vez mais abarrotado de criaturas famintas de si mesmas. Há mérito e patologia nisto, como em quase tudo. Se avançarmos um pouco na questão, encontraremos outra referência a nos definir: adoramos nos medicar. Um espirro e lá vamos nós em busca do comprimido mágico. Pode ser o balconista mesmo a indicá-lo. E se as dores forem menos explícitas — digamos, emocionais — o socorro virá em forma de consultas ao psiquiatra. Usados com parcimônia, estes recursos representam uma evolução em nossa maneira de minimizar o que nos atormenta. Ou alguém sente saudade (tendo vivido ou não) dos hospícios e das extrações dentárias a seco?
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O que estamos esquecendo, e isso está nos tornando mais fracos e imediatistas, é que o corpo e a alma possuem a fantástica capacidade de se autorregularem. Excetuados aqui os casos extremos em que a intervenção de um profissional ajuda a empurrar a morte para longe. Mas, na ordem dos dias, quando somos acometidos por pequenas tristezas ou por dores perfeitamente suportáveis, deveríamos ter um pouco mais de paciência. A natureza se encarrega do resto. É impressionante o que temos à nossa disposição e ignoramos, como se fosse atributo restrito aos mais fortes. Basta deixar o tempo agir, é ele o melhor remédio, o consolo pelo qual não conseguimos mais esperar. Há uma sabedoria que nasce das entranhas de cada um. Como se um exército invisível labutasse a nosso favor. Mesmo diante de dolorosas perdas afetivas, é sempre possível reencontrar o equilíbrio, algo que nos devolva a alegria e a vontade de seguir. Terceirizar incondicionalmente a cura é fazer pouco da nossa capacidade regenerativa. É desconhecer o potencial que abrigamos em nosso interior.
É claro que o caminho das soluções rápidas é mais sedutor. Expulsar o sofrimento é um sinal inequívoco de que pulsamos em busca de energia e potência. Mas não podemos esquecer que muitas vezes não fazer nada é o melhor recurso. É como se as engrenagens que nos movem precisassem de descanso para continuar o seu trabalho. Basta parar e acompanhar o fluxo das coisas. O que hoje me dilacera pode ser o expediente necessário para expulsar o que originou o mal, a enfermidade. Esse processo não obedece à ordem da razão. É algo mais instintivo, atávico, que nos acompanha desde sempre. Não é capturado pela linguagem e não se torna mais acessível aos intelectualmente privilegiados. Faz parte do pacote inaugural de cada um. Basta tomar consciência que existe e dele usufruir.
O corte sempre cicatriza. A angústia é encoberta pela serenidade. Quem deve prescrever a receita é você. Não existe médico mais eficaz.
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