Vida é movimento. Se ficamos parados, há uma tendência em atrofiar não somente o corpo, mas também nossa visão de mundo. Caminhar, interagir, fazer trocas. Cada um precisa misturar-se, colorir os pensamentos com ideias colhidas em livros, filmes, contatos interpessoais. Muitos se mantêm reféns de si próprios, apegando-se a um modo de ser e agir que não muda com o passar do tempo. A consequência disso é que acabam traindo o princípio darwiniano da evolução: a capacidade de adaptar-se. É difícil saber de antemão o melhor rumo a seguir. Mas os que apostam no escuro geralmente acabam sendo mais bem-sucedidos. Recentemente conversei com um senhor que cuida de um filho com sequelas decorrentes do uso de drogas. Faz isso há quinze anos. Ele viu minha expressão de espanto e, antes mesmo que eu fizesse uma pergunta, me disse: "Levo uma vida normal, faço tudo como se não sentisse o peso desta responsabilidade. No começo sofri bastante, mas agora aprendi que isso não poderia ter a dimensão de uma catástrofe. Aconteceu. Poderia ser com você, com meu vizinho, com um colega de trabalho. Por acaso, foi comigo. Aprendi a ter uma relação de imenso carinho com ele. O que não existia antes, aliás. Não existem cobranças e nem culpas de ambos os lados."
Tivemos um encontro de teor profundamente filosófico. Ele me ensinou que qualquer tipo de inquietação, quando nos referimos a algo incontornável, está fadada ao fracasso. Aceitar é a melhor maneira de lidar com situações que, em princípio, nos desestabilizam emocionalmente. Precisamos ser camaleônicos. Caso contrário, remaremos contra a correnteza. Em quantas circunstâncias nos revoltamos, esperneamos, dizendo: mas por que comigo? Onde encontrar uma justificativa para a distribuição aleatória e desigual de alegria e dor? Para os que têm o consolo da fé, há sempre a possibilidade de aceitar o que lhes acontece como sendo um desígnio divino. Sem muitos questionamentos, sem grandes alardes. Buscam na oração o remédio para suas aflições. Acreditam que, em momentos posteriores, serão recompensados por sua abnegação. Já testemunhei situações que me pareciam insuportáveis. Mas aos olhos dessas criaturas banhadas por uma esperança metafísica, tudo se resume a encontrar uma razão que aniquile a ira. Carrego dentro de mim uma pequena e secreta inveja de todos os que renovam sua capacidade de ver beleza no sofrimento, reafirmando o sentimento de gratidão. E jamais ousaria semear em suas almas qualquer sombra de dúvida. A sabedoria pode nascer dessa acomodação a uma realidade que muitas vezes nos parece absurda. Não é.
Tenho um interesse especial em acompanhar histórias como a que narrei acima. Elas despertam em mim a convicção de que o que há de mais valioso (e nefasto) dentro de nós permanece escondido grande parte da vida. E só se revela, para o bem e para o mal, em situações extremas. Quando for testado, observe-se. Tire proveito da aleatoriedade. É assim que fazem os grandes jogadores.