No currículo de matérias que aprendemos compulsoriamente ao longo da vida poderíamos incluir esta, altamente proveitosa: a capacidade para permanecermos sozinhos. É impressionante o número de pessoas que não consegue se relacionar consigo.
Leia mais
Gilmar Marcílio: sentido de realidade
Gilmar Marcílio: quem cedo madruga
Gilmar Marcílio: sabedoria antiga
Precisam o tempo todo da atenção alheia, como se não fossem biologicamente aparelhados para sobreviver sem esse amparo. Clamam por um gesto, uma palavra, algo que valide a própria existência. Só se sentem aceitos com aprovação coletiva – sinal verde para que prossigam fazendo o que não sabem ser o certo ou o errado. É uma construção psíquica tão forte que requer um longo trabalho para ser desmanchada. Parece uma espécie de conspiração geral para que tudo permaneça como está. Se você não é casado e tem filhos ao seu redor, ah, coitadinho, vamos lá minimizar a tristeza.
Não imaginam, esses bem-intencionados, que muitas vezes podemos apreciar nossa própria companhia. Estar cercado de barulhos e movimento nem sempre significa que estamos satisfeitos. Não que a humanidade deva viver separada de seus semelhantes: nem todos têm vocação para o isolamento. Mas deve-se considerar constantemente a possibilidade de se sentir confortável com seu próprio eu. Nenhuma imposição é saudável e deve-se evitar recorrer ao senso comum para definir um modo de vida. Há que se considerar, isso sim, a multiplicidade de escolhas que se abriga dentro de cada um. Solidão só é ruim quando não conseguimos encontrar em nós o gosto por esse convívio.
Com poucas coisas sinto mais prazer do que me convidar para ver um filme, ler, caminhar, ouvir música. Meu bem-estar não costuma depender, necessariamente, de outrem. Posso fazer tudo isso alegremente comigo. Não estou dizendo, com essa afirmação, que se deve permanecer retirado, rechaçando o encontro com os outros. Essa é a mais alta experiência que se pode ter, porque implica em partilha, concessão, tolerância e capacidade de absorver o que difere de nós. Mas o que torna tudo interessante é esse processo dialético que nos permite vivenciar os extremos. O perigo está em sonegá-lo e em educar os filhos sem prepará-los para essas experiências. Tendo a crer que há aqui uma espécie de complô mercadológico, pois quem está bem sozinho consome menos, frequenta menos, necessita de menos. É como se encontrassem um manancial que lhe servisse de alimento. Há tanta insatisfação no convívio prolongado e intermitente que não é raro quem encontre no afastamento de seu companheiro ou companheira algo a ser comemorado.
Portanto, aprendamos desde cedo a arte de gostar de si mesmo para de si mesmo usufruir. Somos inesgotáveis e nos faltará tempo para explorar em sua totalidade esse namoro que, inevitavelmente, está fadado a ser feliz.