Durmo tarde e acordo cedo. Sempre. Tenho encantamento pelas manhãs. Há um certo frescor no ar que me lembra inauguração, batizado, festa. Meu primeiro pensamento costuma ser de felicidade. Se a saúde anda bem e não há estremecimentos afetivos, comemoro. Uma refeição leve, bom dia para os meus cachorros e lá vou eu fazer a minha caminhada. Não importa a estação, perfumes colorem a estrada silenciosa. Quase não encontro carros. Cumprimento um ou outro vizinho e, na medida em que avanço, sou tomado por um sentimento de gratidão. E se me sinto tentado a usar a palavra religioso é porque tudo é pura gratuidade. Vou escutando música e mastigando os tons de verde que enchem os olhos e a alma. Aqui e ali colho algum fruto silvestre, um broto que provo o sabor. Sinto que as pernas são minhas amigas, me levam para onde quero. Um cansaço bom toma conta de mim quando o calor do sol começa a se intensificar. Cada membro do corpo vibra. Tenho consciência do quanto sou privilegiado por poder fazer isso enquanto outros precisam ganhar a vida em trabalhos monótonos, sem prazer algum. Agradeço a Deus, aos deuses ou a própria existência por me permitir ter esses momentos da mais pura beleza. Comovo-me por paisagens que continuam parecendo novas, recito algum fragmento de poesia que guardo na mente. Sou um e sou muitos, pois o que trago dentro de mim não pode ser aprisionado em um nome, um eu.
Opinião
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