Confesso certa dificuldade em entender tanto entusiasmo estampado no rosto de amigos e conhecidos quando reencontram colegas que não viam há vinte, trinta anos. Pelo Facebook, claro. Sempre segui esse princípio: se a vida nos separou, separados estamos. Meu interesse é mínimo nesses resgates. Em alguns momentos deparei-me com pessoas muito queridas com as quais estudei em minha adolescência. Abraços e beijinhos e cada um seguindo a sua estrada. Acho difícil reconectar laços, refazer convivências interrompidas por décadas. Por analogia, é como se começássemos a ler um livro e na sequência nos deparássemos com o capítulo vinte e sete. Como saber o que ocorreu? Ou se, alguns meses depois de estarmos namorando, fôssemos surpreendidos distribuindo os convites para nossas Bodas de Prata. O essencial, que é a construção da trajetória conjunta, se perde completamente. Sobra alguma curiosidade, naturalmente. Fulano está milionário, sicrano perdeu todos os cabelos e a Maria Odete mal se separou e já está namorando. Sem falar no Carlos, tão estranho, até parece que mudou de personalidade. Quem se deu bem, quem fracassou. Além disso, como compor relacionamentos feitos de tantos lapsos, de tantas ausências? O que nos encantava e o que causava tormentos pode ficar perfeitamente em seu lugar: no passado. Vê-lo com olhos de agora é algo que me parece vazio, sem sentido até. Não caio nessa armadilha.
Alguns podem se divertir, dando vazão a um saudosismo que advém do fato de lembrarem somente das coisas boas que juntos experimentaram. Ora, para isso existem fotografias, velhas cartas e, acima de tudo, a memória. Gosto da ideia de mesclar o presente com as doces lembranças de nossos tempos juvenis. Mais como um jogo, uma espécie de ciranda afetiva em que a gratidão por vivências pueris e descompromissadas ainda hoje ressoam em nós. Mas não só isso. Algumas dores tiveram a sua origem lá, na época em que tudo estava se formando. Não podemos adoçar demais o que foi filtrado pela passagem dos dias. É bom não esquecer para que se evite repetir escolhas erradas. Certamente há muitas razões para que cada um tenha seguido em direções as mais diversas. O que não se cultivou não merece voltar com roupa de festa. Há, no entanto, exceções. Tenho uma amiga, a Maria Cristina, com quem convivo há quase quarenta anos. Conhecemo-nos em idade ginasial e, por apreciarmos livros, cinema e música, encontramos razões para estar próximos, partilhando as descobertas do outro. E, ao que tudo indica, só a morte de um romperá esse vínculo tão bonito.
Então, quando alguém se aproximar sorridente, dizendo que resgatou uma nesga de seu mundo escolar, sorrirei discretamente, mostrando alegria também. Mas não sairei em busca, nas minhas inexistentes redes sociais, de nomes guardados num escaninho emocional. Satisfaço-me com quem caminha ao meu lado. Desde ontem, desde sempre.