Se a gente procurar com cuidado, sempre encontra. Encontra poesia. É triste ver tantas pessoas mirando olhos e alma apenas no miserável, no feio, no que enferruja a beleza. Não passeiam pelo simples, pela cordialidade, sorvendo as pequenas delicadezas que se mostram diante de nós. Parece que tudo foi recoberto com uma pátina escura e que nossa tarefa é remover essa espessa camada. Não sei se é esforço pessoal ou genética, mas acordo sempre bem e abrir a janela do quarto para tanto verde me faz feliz. E ainda há os pássaros e os jasmins, os cães e o orvalho que persiste sobre a grama, um silêncio acolchoado que me acalma desde cedo. Nunca vou longe quando preciso desses remédios para despertar o gosto de viver. Olho para o lado, para baixo e para cima. O micro e o macro me dão a exata dimensão de onde estou e do meu lugar. E aí eu agradeço por ter feito algumas escolhas (e ter recusado outras tantas). Não quero a desordem da insatisfação. Antes, o quieto aceitar de tudo o que aconteceu. Perdi pai, mãe e tias que eu tanto amava. Tenho a dor, mas também o conforto da saudade de dias tão plenos. E se hoje há certa palidez no ar, porque não pensar que amanhã haverá claridade e desejo?
O que me salva? É tanto que não cabe aqui. Mas algo pode ser dito. Ainda ontem, recepcionando duas simpáticas meninas na Galeria de Arte onde trabalho, ao ver o nome que escreveram no livro de presenças, sorri no mais puro contentamento: chamavam-se Petúnia e Gardênia. Não é um maravilhamento? Que nomes belos. Se nada mais de bom acontecesse, já me sentiria presenteado. Mas houve mais ainda. Ao cair da tarde, minha amiga Ilka recitou um texto atribuído ao Dalai Lama: “O ser humano é muito estranho: perde a saúde para ganhar dinheiro; gasta o dinheiro para recuperar a saúde; vive como se não fosse morrer e morre como se nunca tivesse vivido.” Alimento também. Logo em breve eu voltaria para casa. Tão bom ficar assim tranquilo, com o celular desligado, sem mensagens para responder, qualquer tarefa adiada para amanhã. Que eu gosto de ficar um pouco à margem, deixando que os outros protagonizem. Talvez o mundo seja apenas a invenção que cada um faz dele. Tudo é filtrado pela nossa subjetividade. Então, por que irei acolher o que não me pertence?
Abelhas entram pela janela do quarto. Observo seu voo enquanto iniciam a delicada arquitetura de sua nova casa no canto superior da parede. Mas a noite sempre nos reserva alguma surpresa. Com o sono ainda distante, ligo a TV e assisto ao bonito filme Meu nome é Ray. Em determinada cena aparece uma pequena tabuleta com estes dizeres: "Reze por amor, tempo suficiente e energia." A vida toda parece caber nesta prece.