Se a gente procurar com cuidado, sempre encontra. Encontra poesia. É triste ver tantas pessoas mirando olhos e alma apenas no miserável, no feio, no que enferruja a beleza. Não passeiam pelo simples, pela cordialidade, sorvendo as pequenas delicadezas que se mostram diante de nós. Parece que tudo foi recoberto com uma pátina escura e que nossa tarefa é remover essa espessa camada. Não sei se é esforço pessoal ou genética, mas acordo sempre bem e abrir a janela do quarto para tanto verde me faz feliz. E ainda há os pássaros e os jasmins, os cães e o orvalho que persiste sobre a grama, um silêncio acolchoado que me acalma desde cedo. Nunca vou longe quando preciso desses remédios para despertar o gosto de viver. Olho para o lado, para baixo e para cima. O micro e o macro me dão a exata dimensão de onde estou e do meu lugar. E aí eu agradeço por ter feito algumas escolhas (e ter recusado outras tantas). Não quero a desordem da insatisfação. Antes, o quieto aceitar de tudo o que aconteceu. Perdi pai, mãe e tias que eu tanto amava. Tenho a dor, mas também o conforto da saudade de dias tão plenos. E se hoje há certa palidez no ar, porque não pensar que amanhã haverá claridade e desejo?
Opinião
Gilmar Marcílio: Os dias são assim
Não quero a desordem da insatisfação, mas o quieto aceitar de tudo que aconteceu
Gilmar Marcílio
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