Eu gosto da ideia de esvaziamento. De deixar as coisas ocas, sem serem preenchidas. De atravessar os dias dizendo não a certos avanços, pois nada é absoluto, senão pelo olhar de quem assim o quer. Meu antídoto? Ler poesia. Mais, tentar viver poeticamente cada instante, na certeza de que tudo é derradeiro. Não me recuso a participar do mundo. Gosto das pessoas, de estar entre meus pares. Regozijo-me com a possibilidade de expandir o conhecimento. Reconheço a beleza do desafio, do confrontamento. Por outro lado, mais fácil é ficar quieto no meu canto, professando o inquestionável. Só que isso acaba por aleijar o caráter. A árdua tarefa a que somos convidados é a de encontrar o equilíbrio entre a exposição excessiva e a recusa em colher o que pertence ao humano. E talvez o caminho onde se pode espalhar essa semeadura seja o de olhar novamente o pequeno, o que viceja nas bordas e não costuma ser nominado. Mas isso deverá ser feito sem esforço sobressalente, como se fosse o nosso estado natural. E talvez seja mesmo e o tenhamos perdido em algum desvão do processo evolutivo.
Busco não só os que escrevem poesia, mas os que se transmutam num poço de lirismo. Que ainda mantém encantamentos, que sabem as colheitas de cada estação. Há que se valer de outras medidas, formas diversas de enxergar o invisível e transformá-lo em matéria de uso cotidiano. Uma folha que se desprende, formigas em seu ofício, os jasmineiros, o riso de uma criança, os velhos tão frágeis... Nós é quem atribuímos importância ou recobrimos com espessa capa de esquecimento. Então, com treino e perseverança, é certo que seremos capazes de inaugurar novas manhãs, crepúsculos que enternecem, o silêncio maduro que antecede o êxtase e a agonia. Pois somos todos feitos dessa matéria volátil, que passeia entre o que se desmancha e o que, resistente, passa a habitar o coração. Mantenho o estranho hábito de acordar contente. Abro portas e janelas e bebo a luz que instaura a alegria em mim. Começo caminhando por quase duas horas, agradecendo ao corpo por continuar alimentando a consciência. Hoje fará sol ou choverá, tanto faz. Encontrarei amigos. Sorrirei e me decepcionarei. Mas sempre, sempre algo se alçará em busca de vontade, potência, arte e afeto. Não sonegarei minha presença a quem assim a desejar. Mas espero ser discreto, quando assim o precisar, não ocupando espaços que não são meus.
E assim vou recolhendo indícios que me fazem amar o que é doce, lírico, amoroso. Cavo dentro de mim o azul que nem sempre encontro lá fora. Pode ser que este seja o último texto, o último abraço, a última primavera. Esteja eu enganado para continuar sorvendo tudo que me condena a ser feliz.