Um dos grandes pensadores da modernidade, o francês Gilles Lipovetsky, sinaliza em seus textos um contrassenso presente em nossa época. Todos os objetos que despertam em nós o desejo de consumo (TVs, tablets, celulares), estão ficando cada vez mais leves – quase invisíveis. Paradoxalmente, as pessoas estão mais graves, pesadas, como se carregassem o mundo nas costas. O que deveria ser um caminho de libertação, tornou-se, ao contrário, algo que oprime, que rouba tempo e gera angústias. Meu espanto é que nossa análise termine na constatação do problema. Tornamo-nos cientes, mas poucos buscam uma solução. Sim, é uma teia complexa da qual é difícil se desvencilhar, pois seduz, fascina. Mas, convenhamos, a menos que nossa dependência seja total, por que não praticar o saudável exercício da parcimônia, aproveitando o que aí está, mas também não fazendo esses mergulhos suicidas? Apaixonar-se por algo não significa que seja necessário abandonar o que nos sustentava anteriormente. Afinal, ainda estamos vinculados ao real. Tudo pode conviver harmonicamente, sem ser excludente. Aplaudamos o que facilita nossa vida, sem demasiada euforia.
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Um pouco mais de objetividade pode nos ajudar a fazer escolhas sensatas. Não adianta colocar a cabeça entre as mão e dizer, repetidamente: "Estou sendo engolido por tanta informação, não tenho mais me encontrado com meus amigos, sou obrigado a responder e-mails do meu chefe às três da manhã." Querido leitor, querida leitora, você ainda tem poder de decisão, por mais que seja bombardeado com propagandas dizendo que só será feliz se estiver abraçado ao último modelo do aparelho tal e tal. Todo mundo faz, vou fazer também? Uma boa análise do que nos é sugerido (ou imposto) para adquirir, faz com que consigamos filtrar o que se adequa às nossas necessidades. Vi a entrevista de um cientista sueco em que ele mostrava os últimos avanços da medicina aliados à tecnologia. Parece a mais pura ficção. Ou, para alguém que viesse do passado, um milagre. Exulto, mas sei que as implicações éticas são gigantescas. Em breve, e isso é dado como certo, poder-se-á prorrogar a vida quase que indefinidamente. Será uma prévia da imortalidade que nos espera mais adiante. Isso me assusta e me fascina, ao mesmo tempo. As inteligências artificiais estão tão disseminadas que em breve já não as distinguiremos das humanas. Ninguém ousa prever o futuro. A história está dando saltos incontornáveis.
Continuarei cultivando meu jardim. Algumas vezes (raras) com o celular no bolso. Uma parte de mim se entrega. A outra, no entanto, ainda fabrica sonhos com os pés na terra.
Opinião
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Gilmar Marcílio
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