Termina o dia. Assim que deito, antes da última leitura, faço um exame de consciência, rememorando o que fiz desde o momento em que acordei. Após a primeira respiração já entramos em contagem regressiva, rumo ao nosso fim. Fatalismo? Pessimismo? Penso que é o contrário disto. Permanecer em vigilância significa apreciar cada minuto, sabendo que tudo acaba. Passamos a maior parte de nosso tempo na mais pura exterioridade. Interferimos no mundo, nos relacionamos, consumimos. Quase sempre no piloto automático, no entanto. Resgatar a claridade que deve pairar sobre os atos, e mesmo sobre as palavras, é saber extrair de cada situação a sua beleza. E ela está constantemente presente, basta que nos dediquemos a escrutinar a alma das coisas, tendo cuidado para alcançar o outro e o sentido do seu existir. Por vezes, demoro para adormecer, pois pesa sobre mim a certeza de ter perdido boas oportunidades para me aprimorar. E quando levantei desnecessariamente o tom de voz, o que ganhei com isso? Nada, apenas perdi a chance de permanecer em silêncio, ponderando antes de agir. Abrir os olhos para uma realidade de urgências é dar-se conta que a algibeira se esvazia, que é preciso aproveitar enquanto o corpo é nosso amigo. O que estamos esperando? Não há solidão maior do que a do arrependimento. Curvemo-nos, pois, diante dessa evidência: em retrospecto, pouco pode ser mudado. No entanto, nosso livre arbítrio nos autoriza a buscar novamente com outros olhos, amparados na sabedoria.
Que cada um componha o seu roteiro de alegrias e contentamentos, pois isso não pode ser aprendido com terceiros. Um dia pleno inclui arte, exercícios físicos, meditação e boas conversas. Gosto de saber que produzi algo, mas priorizo uma relação mais contemplativa. Maravilho-me com uma música que descubro, com um pôr do sol, com a brotação das plantas, renovando-se em ciclos geradores de mais vida. Que alegria ser surpreendido com cansaço no corpo depois de ter cultivado a horta, colhido alguns aspargos para o almoço, frutas para a sobremesa. Refinar o espírito lendo versos de Rilke, de Fernando Pessoa. Convenço-me cada vez mais de que o universo das finanças, dos negócios ou da política não foram feitos para mim. Que outros entreguem suas horas, aprimorando o que chamam de progresso. Bendigo a ciência e o quanto ela eliminou de sofrimento para o ser humano, mas é preciso alimentar-se também de lirismo, colhendo doçuras, delicadezas. Não sei se, ao findar a existência, seremos medidos por isso. Mas certamente, ao agirmos assim, teremos explorado outras potencialidades, outros significados.
São breves os anos. Tudo é breve. Percorremos o arco entre o nascimento e a morte quase sem perceber. Atente: é sempre aqui; é sempre agora.