Não deve existir assunto mais recorrente do que este: está faltando tempo para tudo. O luxo contemporâneo é esvaziar a agenda e construir essa liberdade de nada fazer. Mesmo que seja só por um final de semana. Detox de trabalho e de internet. O tema é candente, mas está longe de ser exclusividade do nosso tempo. Lendo "Um café para Voltaire" encontramos o filósofo e polemista francês reclamando da curta duração dos dias, da escassez de horas para fazer o que deseja. Detalhe: estamos falando do século XVIII, quando ainda se andava de carruagem e uma correspondência demorava semanas para viajar de uma cidade para outra. As pessoas viviam em suas províncias, desinteressadas do que acontecia no outro lado do mundo. Ou mesmo com seu vizinho. No entanto...
Tão humano isso, de achar que lá atrás era bem melhor. Cada época constrói seus descontentamentos, sonhando com o que não lhe pertence. Passamos uma espécie de filtro seletivo e deixamos nossa memória vagar por paisagens que, quando vistas pelo caleidoscópio do presente, nos pareciam tão belas. Há, sim, elementos concretos que nos dão a impressão de aceleração, de que tudo é fugidio. Mas estou inclinado a crer que nos deixamos levar por um sentimento coletivo de subtração do que se apresenta diante de nós. Ora, meus dias são vastos o suficiente. Planejo-me e geralmente sobra um pequeno bônus: o que farei com esse resto que me sobra?
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Eu vivo um pouco fora dessa realidade frenética. E produzo tanto quanto a maioria dos queixosos. Mérito? Talvez, mas também o resultado de muita disciplina. Vou me organizando para que caiba tudo dentro do previsto. Sou perdulário apenas quando me encontro com os amigos. No mais, respeito o que me propus ao acordar, deixando que as distrações sejam ocasionais, nunca o centro da existência. Gosto de me embrenhar em tantas coisas que talvez exatamente por isso tenha consciência de como cada minuto é precioso. Mas não fico pensando muito sobre isto. Acesso a vontade de potência que me faz sair da cama e transformar o mental em ação. Aprecio a reflexão, mas jamais me afeiçoaria à inércia.
Que prazer acordar cedo e sair para caminhar. Iniciar a manhã tratando bem o físico e, de quebra, aproveitando para ouvir música. Na volta, há ainda uma vastidão de luz para aproveitar com leituras, trabalho, meditação. E quando a noite me surpreende cansado, abraço a alegria em alongar um pouco mais a possibilidade de absorver o que me cerca.
Talvez, para você que anda descontente com essa voracidade imposta pelo mundo virtual, caiba esta pergunta: a culpa não é também minha? Vamos dividir a responsabilidade por tudo aquilo que, afinal, fomos nós mesmos que construímos. Basta não se deixar tragar. O mar não é tão revolto assim. Há mais drama do que realidade. Conecte-se, mas não esqueça que ainda (e sempre) é melhor saborear com o corpo todo. Neste caso específico, o furto acontece com a nossa própria conivência.