Das tantas belezas que é possível extrair da leitura de um romance, está a possibilidade de vislumbrar, do começo ao fim, a vida de um ser humano. Diante de nossos olhos surge um arco: aqui um pequeno trauma, mais adiante um encontro definitivo. Segue-se uma doença, a morte de um ser amado, uma conquista que impulsiona para a alegria. Empilhamos razões para justificar seu sucesso ou seu fracasso. Tudo nos parece lógico, há certo equilíbrio mesmo na desordem. Pode-se analisar o todo no curto espaço de tempo de uma semana, um pouco mais. Páginas lidas, ousamos compreender as motivações, atribuindo significados ou refletindo sobre as escolhas erradas.
O destino parece coerente e há uma espécie de aceitação até sobre os infortúnios. Mas e quando não há como passar uma régua e dizer: está bem, eu compreendo? Quando, a despeito de nosso esforço interior, nos escapam os motivos que levam amigos, irmãos, pais, a fazer escolhas erradas? Em nossa impotência diante da iminente derrota, procuramos um bote de salvação e o entregamos para que seja usado por quem está soçobrando. Esquecemos, neste momento difícil, que há uma complexa teia de emoções envolvida, que é impossível escarafunchar a alma de alguém a ponto de se revelarem os porquês. A mente é fragilíssima, um pequeno desvio e o que se chama de normalidade esconde-se nas dobras da noite.
Na maioria das vezes, soterrados pelo nosso ego, não percebemos uma realidade que estimula constantemente o egoísmo, o acúmulo, a superficialidade. Cremos que não há nada de nocivo, posto que são fogos fátuos a nos causar um prazer momentâneo. Não mais do que isso. Ansiolíticos e antidepressivos já não dão mais conta, apenas entorpecem. Se, porventura, insistirmos em manter certo grau de afastamento dessas corrosões, precisamos igualmente nos defender de quem considera normal tudo isso.
Pegar nas mãos de quem sofre e caminhar junto, oferecendo o modesto consolo da companhia. Parece pouco, mas é a rede de proteção diante do abismo. Na maioria das vezes compreendemos pouco, compreendemos mal. Motivados por nossos preconceitos, reagimos julgando, certos de que o meu remédio deve servir para os outros também. Muitas vezes há raiva e vontade de desistência, mas exercitar a compaixão é o degrau invisível que nos alça até a sabedoria. Admiro sobremodo o trabalho de psicólogos e psiquiatras que fazem da paciência sua ferramenta de trabalho. Escutam com atenção verdadeira; quase nunca opinam, apenas ponderam. Todos precisam de todos, pois caminhamos sozinhos escrevendo o roteiro misterioso de nossa existência. Quem nos lerá, tolerando os tropeços?
Ao fim de tudo, quando a obra estiver quase completa, precisamos apenas que nos amem. Só não se salva quem foi abandonado ou abandonou a si mesmo.