Na tarde de cor sépia, no mais puro outono, eu e meus amigos Beatriz e Lívio vamos passar algumas horas na casa de Mádia, tão querida em sua exuberância e alegria de viver. Descemos do carro e, antes mesmo de tocar a campainha, vemos a porta se abrir. Escondendo o rosto, dois braços abertos seguram um cartaz onde lemos, em letras garrafais, a palavra FELIZ! Muitos abraços depois, continuamos conversando enquanto tomamos chá e nos deleitamos observando suas pinturas mais recentes. Cada um sabe, secretamente, que este é um momento de rara beleza, em que o prazer da convivência transforma tudo em ouro. Falamos de nós, dos outros, de arte, do tempo, de como é bom e difícil crescer respeitando as diferenças num mundo patologicamente padronizado. Ninguém atende o celular e muito menos envia mensagens. Estamos inteiros ali, contentes com a presença de cada um. Nada falta.
Não há abundância, nem escassez. Há a justa medida que nasce do olhar satisfeito de pessoas que sabem que a melhor coisa do mundo é estar na companhia de quem se quer bem. Não nos despedimos tristes, pois sabemos que logo ali adiante nossas almas se buscarão novamente. Conscientes, no entanto, de que tudo é provisório: o que temos nos será tirado. Portanto, nada de adiar a frase que diz do bem querer e muito menos o gesto largo que materializa o amor.
Algumas semanas depois, eu e minha irmã recebemos um casal de amigos na chácara, Tiago e Jerusa. Amantes da filosofia e atentos à poesia da natureza, nos presenteiam com longas conversas sobre espiritualidade, civilizações antigas, o valor da ética e da moral para os grandes pensadores. Dizem disso tudo com a naturalidade de quem fala sobre uma nova receita ou uma pequena descoberta em meio a um distraído cotidiano. Aos nossos pés, sua linda cachorra de olhos azuis dorme placidamente. Jantamos, dividindo comida e sabedoria. Silêncio e diálogo. Passeamos pelos caminhos que nos mostram os plátanos com suas folhas maduras, o jasmim de madagascar inundando de perfume a varanda que se abre para o horizonte. À noite, entre taças de vinho, sentamos para ver a série Mozart in the Jungle, sobre um maestro que dirige a Filarmônica de Nova York. Cinco horas de exultação estética, na certeza de que também esta é uma ocasião que queremos guardar nos escaninhos da memória. Há placidez no ar, doçura em existir. O céu plúmbeo anuncia chuva. Lufadas de vento arrepiam com doçura a pele. Duas horas da manhã e vamos dormir. Antes, leio alguns versos de Adélia Prado. Apago a luz e lembro do cartaz onde estava escrita a palavra FELIZ.
Para que serve um amigo, afinal? Para nos lembrar que, mesmo existindo a dor e a separação, podemos ser tocados sensivelmente pelo outro, conhecendo a substância do que não morre jamais.