Uma boa definição para o estado de ansiedade que, em graus variados, acomete a muitos de nós, poderia ser esta: é quando estamos cercados de pensamentos por todos os lados. Naufragamos numa ilha emocional e, por mais que nos esforcemos, somos incapazes de sair do círculo vicioso do próprio eu. É duro dizer isso justamente para quem sofre de um dos males mais angustiantes e recorrentes de nossa época. Por maior que seja o empenho, patina-se ao redor de meia dúzia de frases, como se todas as possibilidades de existir se resumissem a isso. Terapia ajuda. Rivotril também. Mas, acima de tudo, há que se fazer o desmesurado trabalho de deixar que as palavras sejam substituídas pela ação. Acredito que o esforço físico tem o mesmo poder libertador do que a química de um remédio. Você pode passar anos se valendo de algum fármaco, mas só voltará a sentir o milagre da própria respiração quando, finalmente, conseguir se esquecer de si mesmo. Um dos primeiros psiquiatras a apontar essa tábua de salvação foi José Ângelo Gaiarsa. Ele só aceitava pacientes atormentados, ou que apresentavam alguma espécie de compulsão, se concordassem em fazer o tratamento aliado a uma pesada agenda de atividades. De preferência numa academia, com horário rígido e tolerância de faltas próxima de zero.
Leia também
Gilmar Marcílio: terapeuta pélvico?
Adriana Antunes: do tempo em que havia poços
Marcos Kirst: um nocaute à barbárie
Em muitos momentos isso foi a minha salvação. Quando a dor pela morte de um ente querido dominava toda a paisagem, ou situações conflitivas me faziam pensar exaustivamente num problema, a solução parecia ser essa mesma: largar tudo, lembrando que eu não era somente essa mente torturada, mas também o meu corpo. Um corpo que balizava a minha presença no mundo, obrigando-me a esbarrar com constância em outros seres, até me dar conta do óbvio: há mais gente por aí, não sou o único que importa. De maneira que, aos poucos, como um enfermo, redescobri o prazer de cuidar do jardim, de lavar louça, de encontrar novamente os amigos. Essa passagem da imobilidade para o fluxo sanguíneo da existência costuma ser difícil. Muitos depressivos sequer consideram a possibilidade. Há que se entender, pois ela exige uma força e uma tenacidade que lhes parece inalcançáveis. Atento aos abismos do inconsciente e à capacidade de acessar forças latentes, que se estendem dentro de todos nós, passei a gastar meus dias de forma orgânica, sentindo o cansaço, o peso dos membros lassos depois de uma caminhada, ou de um exaustivo esforço muscular. Aprecio sobremodo ler, meditar, contemplar. Mas não abdico jamais da sensação prazerosa de deitar à noite constatando que me ocupei de algo além do meu próprio umbigo.
Portanto, mãos à obra. A inércia é a aliada perfeita de quem se entrega. A carne é tão importante quanto o espírito. Ao menos por enquanto, antes do nosso último suspiro.