Ele se aproxima e eu sinto um calafrio na espinha. Ai minhas costas, penso, preocupado com o tamanho da "agressão afetiva" de que serei vítima. O amigo escancara seu melhor sorriso e, ao me abraçar, expressando a saudade que sente, dá um tapa que faz as costelas sofrerem um considerável abalo. Fala um palavrão qualquer e diz que não podemos ficar tanto tempo sem nos ver. Pega nos meus ombros com uma violência moderada e me conta o que tem feito ultimamente. Esta é, em resumo, a maneira calorosa com que a maioria dos representantes do gênero masculino se comunica entre si quando o assunto é a demonstração do carinho que nutrem. É preciso reafirmar, em doses cavalares, a presença da testosterona. Não pode pairar no ar nenhum resquício de doçura, nada que lembre vagamente a presença do desejo amoroso, mesmo aquele que traduz a simples expressão do bem-querer. É assim que os machos se protegem de qualquer insinuação sobre uma possível ambiguidade, resultante dos contatos físicos entre eles. Há que se deixar bem claro que são varões tarimbados. Depois desse pequeno ato de agressividade, afastam-se rapidamente e, a partir desse momento, uma espessa e invisível parede os separará. A voz será o único fio condutor a sinalizar o que os une. Entremeiam o diálogo, de preferência, com algumas expressões chulas, que não viemos ao mundo para nos desmanchar em doçuras e delicadezas.
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Pobres de nós. Com um sorriso de superioridade perdemos o que de melhor a vida pode nos oferecer. Felizes das mulheres que se permitem andar de mãos dadas, chorar juntas, sentir o coração ardendo de amor sem despertar "suspeitas". Aprenderam que tudo fica muito melhor agindo assim. Olham nos olhos e, se tiverem vontade, dizem que se amam e que estão aqui para se ajudar, se proteger. Os dedos deslizam pela face úmida de alegria, compondo uma espécie de poema silencioso, num ritual que as autoriza a dizer e expressar o que verdadeiramente se passa. Mesmo com a sintomática mudança de comportamentos no que tange às relações humanas, alguns medos ainda resistem e fazem residência dentro de nós. Procuro ficar atento para não incorporar esses códigos de rigidez, despreocupando-me com o que os outros vão pensar, quando pulso de felicidade ao reencontrar um amigo que me é caro. Gosto de colocar as mãos em concha no rosto que se desenha à minha frente. Sentir a pele como um lago sereno onde posso descansar das agruras do dia. Não quero me conter pensando no que "os outros" vão pensar. Quem são eles, afinal, e que importância têm? Portanto, rapaz, se você me encontrar na rua, seja exagerado, acolhendo-me com um largo e manso gesto. De uma maneira que poucos desconfiam, estaremos tornando nossas vidas bem mais ricas. E seremos mais livres também.