...faz mal. E como faz! Tenho pensado muito sobre isso ultimamente, tentando dosar o que sinto quando exulto ou me magoo. Conheço quem viva à flor da pele. São poetas sem escrever versos, guardando no canto do olho uma lágrima que persiste em não cair. Mas sofrem em demasia, pagando um preço bem caro por assimilar as dores e as delícias do mundo em estado de exacerbação. Seu contraponto, o das pessoas que parecem passar incólumes por tudo, também não serve como modelo a ser seguido. Flertam com a psicopatia. Então, me pergunto: não será possível encontrar um meio termo, um estado que nos permita absorver a beleza, sem, no entanto, nos fragilizarmos tanto? Releio com frequência as cartas que Caio Fernando Abreu escreveu ao longo da sua curta existência. Doem. Ele era tocado por tudo, parecia de uma fragilidade enternecedora. Múltiplo de si mesmo, como se tivesse que se expandir para que dentro dele coubesse tanta delicadeza, tanto pôr do sol no olhar. Não se pode dizer que foi um homem feliz. No entanto, experimentou o que nós, em raros momentos, mal chegamos a vislumbrar. O que eu escolheria, se me fosse dado decidir? Seguir em frente sorvendo com doçura e lucidez o que se apresentar. Porém, com um pouco de anestesia, por favor. Que o riso também faça parte desse aprendizado onde as perdas, muitas vezes, se equiparam ou superam os ganhos. Mas tendo a certeza de que sempre, sempre vale a pena.
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Tenho apreciado cada vez mais o comedimento. Entregar-se, mas com estudada reserva. E que nos períodos de fertilidade criativa nos permitamos transbordar. Senão fica tudo monocórdio, cinza. Entretanto, que sejam apenas breves intervalos para que a plena consciência de si e da realidade se apodere de nós novamente. E que não tenhamos medo do apaixonamento, esse estado febril que nos transtorna e, ao mesmo tempo, revela o que há de melhor em cada um. Porém, que os deuses se compadeçam e nos sacudam e nos acordem e nos façam respirar com nossos batimentos cardíacos normalizados. Conheço pessoas que tocam a cada dia nas vestes da morte. Querem experimentar em um só gole o que deve ser ingerido com parcimônia, lentamente. Transformam remédio em veneno. Cada dia mais estamos rodeados de estímulos. Isso nos rouba a possibilidade de perceber os tons suaves, as vozes que sussurram, os gestos sutis, as palavras bordadas dos amantes. Com isso, os que são contaminados em excesso pelos sentimentos surpreendem-se estranhos, enfermos. Enfrentam o dilema de se sentirem estrangeiros em sua própria pátria.
Não quero acelerar o relógio que põe em movimento o prazer. Desejo a justa medida, a pupila levemente dilatada, as mãos que afagam com sutil tremor. Levem para longe de mim o tormento das almas que se dilaceram.