Sempre invejei as pessoas que dormem bastante. Quando alguém me diz que acordou próximo ao meio dia, isso soa aos meus ouvidos como uma espécie de ficção. Como é possível? Em minha juventude, quando o corpo andava de braços dados com a vontade, também não conseguia ficar na cama até mais do que sete, sete e meia da manhã. Mesmo tendo deitado tarde. Será uma questão genética? Hoje, talvez conformado com a incapacidade de mudar o que é mais fisiológico do que mental, descubro os prazeres de alongar o dia em plena consciência. Aprecio sobremodo ter mais tempo para fazer as inúmeras atividades a que me proponho. Especialmente em casa, quando o aquietamento me remete ao repouso e à contemplação, sinto grande prazer de estar em movimento. Olho para o sutil trabalho de transformação do solo e das plantas e me entrego a essa roda-viva que vai gerando a vida e a morte. Testemunho, maravilhado, a beleza que há em poder sentir os perfumes e as cores que são absorvidos pelos nossos sentidos. Mas há algo mais do que isso.
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Somos passageiros de uma realidade volátil, provisória. Por mais longeva que seja a nossa existência, ela não será suficiente para absorver tudo que se apresenta diante de nós. Os livros que relemos, os filmes a que assistimos duas, três vezes, os amigos que continuamos encontrando... nada disso se exaure, pois há sempre algo de novo a ser explorado. Não me canso de descobrir paisagens que falam intimamente ao meu coração.O que disseram os homens e as mulheres dos séculos que me precederam? É preciso ouvi-los com atenção. Procurar entender o que os motivava. E por que não sonhar com um futuro que se pareça com Pasárgada? Essa cidade sublime imaginada pelo poeta Manuel Bandeira. Que cada um construa a sua, na embriaguez de um presente que parece não se exaurir jamais. No entanto, já começamos a findar em nosso nascimento. Eu me alimento dessa voracidade para não perder o gosto de estar entre os que partilham comigo dessa aventura. Ponho-me a pensar como será depois que eu me for daqui. O que perderei? Acaso carregaria algo comigo? Minha alma é inquieta, parece não se saciar nunca. Sei que o descanso abastece novamente a determinação, mas, como resistir aos encantos do que se apresenta diante de nós? Tudo em mim clama por vigilância e lamento por aqueles que preferem o torpor, a ausência da luz.
Dormir, sim, dormir. É a benção para as dores, as perdas. O antídoto para a desistência. Mas não mais do que um breve relâmpago na noite.
Despertar. Que esta palavra continue soando como um canto nos meus dias.