Sinceramente, tenho mil ressalvas contra um tipo de profissional que atua tanto no setor público quanto no setor privado: aquele que se distancia do bom senso em nome de tecnicalidades. Esse indivíduo se apega demais a detalhes técnicos, alguns tão pequenos e tão minuciosos que, com o tempo, perde totalmente o contato com o mundo real e com sentimentos como empatia e solidariedade. Vivem de fazer marquinhas em checklists infinitos, medindo o mundo e o sucesso com sua régua inflexível nem sempre justa e capaz de avaliar a vida como ela realmente é.
O termo tecnicalidade geralmente se refere a questões específicas ou aspectos formais inseridos dentro de um conjunto de regras, regulamentos ou procedimentos. Não estou dizendo que ser técnico e respeitar protocolos seja algo maléfico para uma sociedade: é algo extremamente necessário para que haja desenvolvimento e progresso. Contudo, dependendo do contexto, pode trazer muitos prejuízos quando o técnico se torna incapaz de enxergar além de suas planilhas e regulamentações e fica totalmente obcecado por atingir um determinado objetivo. Foi o que aconteceu nessa bagunça generalizada com relação ao início das aulas na rede estadual de ensino.
Por critérios exclusivamente técnicos, a secretária da Educação, Raquel Teixeira, insistiu que as aulas começassem num escaldante 10 de fevereiro. Uma das justificativas para manter a data — mesmo após alertas de institutos de meteorologia sobre a onda de calor — foi que adiar o início das aulas deixaria o Estado sem espaço para readequar o calendário e seus 200 dias letivos em caso de alguma outra “intercorrência inesperada que possa eventualmente exigir a suspensão das aulas”, conforme declaração oficial da Secretaria Estadual da Educação.
Me chamou particularmente a atenção um trecho da entrevista da secretária Raquel à GZH publicada segunda-feira (10): ela afirma que “é prudente que se considere a possibilidade de que também em 2025 se possa observar alguma imprevisibilidade capaz de comprometer a normalidade da vida cotidiana e impactar na manutenção das atividades escolares”.
Provavelmente, estava se referindo às enchentes de maio de 2024, que não foram apenas uma “imprevisibilidade” que comprometeu a “normalidade”, mas sim uma tragédia de dimensões horrendas, que impactou não só as atividades escolares, mas as vidas de milhares de pessoas. Abalou, principalmente, nosso sentimento, nosso coração de gaúcho, nosso povo que até hoje está sofrendo as consequências financeiras, psicológicas e emocionais de um desastre.
Mas o técnico que exagera nas tecnicalidades não consegue chegar até ali, no sentimento, na empatia, no olhar além do “calendário” e do “planejamento”. O pedido do Cpers era coerente e vinha de um apelo de professores, diretores e funcionários de escolas que estão lá na linha de frente, alguns sob o calor insuportável de 40ºC, sem contar com ventiladores e com o ambiente climatizado dos gabinetes onde os técnicos tomam decisões.
A grande maioria dos colégios não têm estrutura alguma para o mínimo de conforto térmico a alunos e educadores. Faltou empatia, faltou diálogo, sobraram tecnicalidades. Não é assim que se lida com a educação.