Fevereiro chega ao fim. Quando era criança isso era uma tragédia. As aulas iniciavam em março e isso significava que as brincadeiras acabariam. A rotina era escola, casa, fazer os temas, ajudar a mãe e se sobrasse tempo, brincar um pouco. Mas, naquele tempo, que nem faz tanto tempo assim, a gente ainda podia brincar na rua até à noite. Na minha rua a turma era grande, devíamos ser umas dez crianças.
As brincadeiras se dividiam entre a minha casa que tinha um balanço feito de pneu, pendurado num pé de plátano. O balanço funcionava como se fosse uma espécie de nave espacial em que subíamos e íamos até bem perto do céu, para desespero da minha mãe que sempre mandava não se balançar tão forte.
Na casa da Lu e da Ju que tinha uma outra casa velha ao lado, em que brincávamos de como seríamos quando fôssemos adultos. E, na casa abandonada na esquina. Era um casarão enorme, abandonado há anos em que desobedecíamos os pais e entrávamos naquele espaço esquecido pelo tempo e pelas pessoas. Ali éramos uma espécie de agentes secretos em que investigávamos vestígios de alguma história desconhecida. Sempre envolta de um mistério contagiante, nossas brincadeiras sempre acabavam lá.
Inúmeras vezes sentávamos na escadaria da frente, comendo ameixa direto do pé, levantávamos hipóteses sobre quem teria vivido ali e porque a casa fora abandonada.
O tempo passou, a casa foi demolida, nossa turma se desmanchou. Crescemos demais. Dos amigos de infância, na maioria das vezes, guardamos afetos, mas as afinidades mudaram. E fazer amigos depois de adulto é muito mais complicado e difícil do que naquele tempo. Não só porque não nos reunimos mais para ficar imaginando outras histórias, ou sonhando com o futuro. Até porque vivemos o futuro daqueles anos e talvez nunca tenhamos imaginado no que, de fato, nos tornaríamos. Mas também porque quando se é adulto tudo é contabilizado.
Fazemos amigos pensando no que vamos ganhar com esta amizade, quanto ela nos custará de tempo e investimento. Até nos esforçamos, chamamos para um chimarrão, organizamos uma janta, mandamos mensagens, tentamos manter algum tipo de contato, mas não vinga. O esforço para se ter e manter um amigo depois de grande é pesaroso demais. Talvez porque nossa rotina seja muito puxada? Talvez porque estamos sempre cansados. Ou ainda, porque apesar de gostarmos das pessoas, não queremos vê-las.
Sinto falta daqueles dias azuis de fim de verão quando ainda era pré-adolescente. O tempo demorava passar. Fazer 18 anos era de uma distância infinita. Não tinha celular, nem redes sociais e a tv pegava só alguns canais. O dia tinha o tamanho do dia e a noite era embalada pelos grilos. Não sou nostálgica, gosto do agora. Apenas nos damos conta de que crescer é também perder. É aprender a suportar a ausência dos amigos. A compreender que o afeto permanece, mas não se tem mais conversa, porque somos diferentes.
Lembro da casa abandonada, tudo já estava dado ali, só não estávamos preparados para ver.