Este texto não tem pretensão de ser uma crônica, talvez mais um contar de si. A primeira vez que fui para a Feira do Livro de Caxias, foi com meu pai. Tenho até hoje o livro que ele me deu. Caxias era outra cidade. Do ponto de vista da adulta de hoje, era menor, mais ingênua, com menos carros, menos lixo. Mas isso tudo pode ser uma ficção, porque, de verdade, não lembro de muita coisa. Sei que eu era pequena, estava na segunda série do ensino fundamental e já sabia ler e escrever.
Dias atrás encontrei um caderno meu desta época (minha mãe sempre guardou meus cadernos e desenhos) e na primeira página consta a data, uns riscos de lápis e a caneta passada por cima e uma poesia que fiz de volta às aulas. É tão bonito e estranho encontrar com a criança que fomos. Uma mistura de sentimentos nos visita. Foi uma infância solitária e difícil, como é para todas as crianças. Já do ponto de vista da criança que fui, Caxias era grande, cheia de barulhos, pessoas em movimento.
Lembro do susto quando vi a escadaria da catedral pela primeira vez, ela era imensa. Volta e meia passo por ela, para ver se revisito esta velha e deliciosa sensação de a ver pela primeira vez, mas é em vão. Algumas coisas pertencem ao passado, por melhor que tenham sido e, reconhecer isto, é deixar a vida andar.
Conto isso, pois minha relação com a Feira do Livro é de anos. Eu cresci no interior e estudei numa escola rural. Lembro que a chegada de livros novos era um evento, pelo menos para mim. Fecho os olhos e lembro do cheiro deles. A professora Maria, guardava eles dentro de uma espécie de cabide de plástico, pendurado atrás da porta da sala. Eu ficava a aula inteira namorando aqueles livros, tão limpos e novos, dentro do plástico. Aprisionados. Depois do intervalo a gente podia se sentar e olhar cada um dos livros e só então podíamos levar para casa e ler com calma.
Eu era apaixonada por Raul da Ferrugem Azul, da Ana Maria Machado. Me sentia tão ele. Muitos anos depois, na entrevista para o mestrado em Letras, lembro que o professor Flávio me perguntou qual livro havia marcado minha adolescência e eu disse, A Leste do Éden, de John Steinbeck. Ele arregalou os olhos e perguntou onde eu havia lido. Na escola, respondi. Hoje escrevo este texto e reverencio a todos os professores apaixonados por livros e literatura. Um leitor só nasce pelas mãos de outro leitor, amante da leitura.
Domingo, estive na Feira do Livro com a psicanalista Ana Suy. No momento em que subimos ao palco e vi aquele mar de gente esperando pelo início do bate-papo é claro que lembrei de meu pai. Talvez nunca tenha imaginado que aquela garotinha se apaixonaria pelos livros. Talvez sim, pois ele era um grande leitor.
Este foi um dos encontros mais lindos que tive com as pessoas, com a feira, com a Ana Suy, mas principalmente com a menina de oito anos que fui um dia e que assim como meu pai e a escola fizeram por mim, agora sou eu mesma que me levo para conhecer outros mundos. E carrego uma pá de gente comigo.