Você sabe que está envelhecendo quando começa a perceber que está ficando para trás. Ah o espelho, o velho espelho e já não é possível reconhecer a de antes na de agora. Alguns traços, um certo sorriso, a cor dos olhos, mas de resto, tudo mudou. A pele mudou, o formato do rosto mudou, tudo mudou. E já cantavam os poetas em versos, questionando, quem é este estranho que me olha no espelho? Quem é esta pessoa que cada vez mais se esconde debaixo da vida?
No quarto dos meus pais, na casa da infância havia um espelho na porta do guarda-roupa. Lembro que eu ficava horas diante do espelho me imaginando adulta. Usava as maquiagens da minha mãe, os sapatos e roupas dela. Um assombramento em perceber hoje como somos tão, tão diferentes. Mas naquelas manhãs e tardes, me prostrava diante do espelho mágico e me via no futuro. Nunca fui aquela que imaginei um dia. A vida é feita de realidades e desilusões.
O espelho de hoje reflete o agora mas espelha o passado. Ainda carrego as mãos de minha avó materna, os olhos da avó paterna, as pernas de meu pai, os braços não sei de quem. As sardas são do lado avermelhado da mãe e a altura do lado do pai. Olho no espelho, que trouxe de tempos atrás, ainda na porta do guarda-roupa, e envelheço. Envelheço como nunca envelheci. Por vezes nem me reconheço. O cabelo mudou, o rosto mudou, o corpo mudou.
Quem é esta estranha que me fita todas as manhãs? Às vezes ela me lembra a avó Cecília e o sorriso sempre a postos. Às vezes, a avó Virgínia, meio alheia a todos. Minha avó paterna falava, falava e de repente entrava num mundo que era só dela. Nunca soube o que encontrava em seus pensamentos. Mas ela parava de falar, se calava e pelo olhar dava para saber que estava em outro lugar que não o do agora. Às vezes sou assim, absorta de mim mesma.
Sou isso entre as coisas. Somos todos nós que nos deparamos com o espelho e a imagem diferente de quando jovens. O espelho me reflete e eu reflito, pelos olhos, o espelho. Me afasto de espelho quando me deparo com esta desconhecida que teima em me refletir. E assim que me afasto, me esqueço dela. Só relembro quando alguém gentil no mercado, na padaria ou em sala de aula, me chama de senhora. Meu deus, eu sou uma senhora.
Guardo a imagem do espelho em mim, embora ele não me guarde. Agradeço a deus, melhor assim. Embora eu guarde em mim o espelho, o quarto de meus pais, as roupas de minha mãe, a imagem dela dentro de uma blusa azul que desejei minha infância inteira. Ela era a mulher mais linda do mundo. Ficava tão bonita com tão pouco.
Envelhecer é um verbo que se conjuga para trás. O elástico da vida começa a encolher. Aceitar que não somos mais os mesmos é da ordem da coisa mais estranha do mundo. Escuto me dizerem, mas a cabeça é muito melhor agora. Talvez para aceitar que somos finitos. Sem envelhecer não aceitaríamos que tudo um dia acaba e mesmo assim é difícil aceitar.
Teimo em me olhar no espelho, eu que já trabalhei em televisão e gosto muito da imagem refletida, guardo em mim o reflexo de quem sou e de quem nunca serei.