Há algo no ar que me deixa em suspense. Uma notícia pela metade. Um certo medo. As coisas independem de nós. Chove lá fora e o gato mia ao pé da cadeira. É o real. Ainda é o real. Inicio a escrita. Lembro dos últimos dias de meu pai vivo. Um rasgo de lembrança de seu sorriso me faz sorrir anos depois de sua despedida. Que coisa é isso que se chama morte. Vivemos e um dia partimos. As pessoas, a maioria delas, têm medo de falar sobre isso. Preferem silenciar, não tocar no assunto. É fato que para viver precisamos fazer uma recusa diária da morte. Caso contrário não sairíamos de casa, não planejaríamos uma viagem, não faríamos prestações intermináveis para comprar um carro ou uma casa. É assim mesmo. É também na recusa que abrimos espaço para sonhar. No entanto, recusa jamais foi sinônimo de negação. Negar que um dia não estaremos mais aqui ou que as pessoas que mais amamos não estarão é não viver de fato. O tempo, a vida, os acontecimentos, nosso corpo, tudo, o tempo todo nos devolvem para a frustração de nos sabermos finitos e vulneráveis.
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Pode parecer paradoxal, mas é somente falando da nossa finitude que estaremos livres para viver
Adriana Antunes
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