Há um som de cigarra que fatia as horas do dia. Cigarras invisíveis pousadas nos galhos das árvores. Um compasso de futuro em pleno agora. Gritam e cantam apesar das violências humanas. Sento encolhida na sombra da acácia negra, o dia passa manso como um carreiro de formigas, doce como uma manga palmer (a melhor delas). De certa forma, sempre estamos em posição de espera. Demora sair desse lugar. Ficamos na maior parte do tempo esperando que algo mude, aconteça, nos tire de onde estamos. Ficamos a espera de uma solução como ficam os que antecedem uma batalha e embora em descanso, cheios de expectativas. Tropa recolhida. Mas as cigarras seguem gritando, uma voz que quase enlouquece, que zumbe como um gerador impaciente. O desejo é uma cigarra, esse tremor de animal na noite, só que de dia, a plenos pulmões.
Fim de verão
Opinião
As cigarras cantam até explodir
No grito do motorista nervoso, nos gestos da passante apressada, nas conversas pautadas pelo julgamento, até as frutas sobre a mesa tem um quê de incendiárias
Adriana Antunes
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