É apenas março e um cansaço já toma conta do corpo, da mente, da alma. Sorrir é um esforço. Esforço maior é atravessar a semana e sempre voltar para a segunda-feira. Um cansaço de contas, dos dias, de pessoas. Quem nunca se sentiu assim? Escuto seguidamente essa expressão, “me sinto cansada”, “cansei”. O corpo fica mais lento, mas o peito se acelera. Parece que temos de logo encerrar alguma coisa. Cerrar, fechar, dar por feito. Defenestrar, termo que lembro de meus antepassados quando queriam se livrar de algo. A busca por uma sensação de finalmente. No entanto, é fato, não sabemos bem o que estamos querendo terminar. Às vezes a vida é um amontoado de coisas. Vamos nos sobrecarregando. É o apito do futuro e sua pressa que nos agita. É âncora do passado e seu peso que nos segura no mesmo lugar. O presente parece não existir. Falam da necessidade de se estar no aqui e no agora, mas esse é um instante difícil de ser. Se somos quando não sabemos que somos, somos quem no dia a dia? O cansaço. A coisa cansada das coisas de sempre. Já andamos sem paciência para as imprudências no trânsito. Há sempre alguém apressado querendo nos ultrapassar e que não liga o pisca, corta a frente, desrespeita o sinal. Há sempre alguém furando a fila, passando na sua frente fazendo de conta que não te vê. Há sempre o encontro com a família e as conversas cheias de alfinetes. Que cansaço. Às vezes nem mesmo em casa se consegue descansar. Alguém corta grama ou ouve uma música em alto volume. A rua grita. Os cachorros latem. A tarde se agita. Bate um certo desespero. O nome disso é irritação. É isso o que sentimos. Como quando a palavra rosna. O nosso corpo responde reagindo às invasões. Sim, somos invadidos pelo mundo e em algum momento cansamos.
Todos em algum momento já cansaram. Não importa a data do calendário, nem a cor da certidão de nascimento. Os sonhos parecem longe. As férias mais distantes ainda. Atravessamos os dias como quem caminha por uma ponte pênsil sobre o abismo. Olhar demais para isso tudo nos causa vertigem. O estômago fica embrulhado. Medo. Mas olhar apenas para frente causa um imenso cansaço. Não há o fim, porque o fim é a morte. Voltar é impossível. A vida só pode ser compreendida de frente para trás, mas precisa ser vivida de trás para frente. Li isso em algum lugar, deve ser de Kierkegaard. Pouco importa. A filosofia assim como a literatura só têm valia se vividas, senão não passam de uma retórica esteticamente vazia e intelectualizada. Cansar das coisas é dar-se conta da nossa própria entropia. Entropia essa que faz com que as tábuas da nossa ponte pênsil estalem, nos lembrando que de seguir é fundamental, mesmo que estejamos em desordem.
Em “O mal estar na civilização”, Freud afirma, “não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo ele pode ser salvo”. Podemos pensar juntos, salvar-se de quem, além de si mesmo e do umbigo no qual vivemos?