E você come o que é. Em primeiro lugar, comer é um ato político, porque se você escolhe o que colocar no prato, está em uma posição privilegiada em comparação a milhões de pessoas no Brasil. Por isso, comer deveria ser direito de todos e não privilégio de alguns. Em segundo lugar, ter uma alimentação saudável envolve inúmeras questões. Sim, comer é muito mais profundo e complexo do que aqueles 10 minutos rápidos em que fazemos nossa marmita no restaurante. Suas escolhas dizem quem você é e de onde veio. Comida é cultura, ou a falta dela. A história da alimentação é riquíssima e nos mostra como as questões econômicos, políticas, ideológicas e, inclusive, afetivas, moldam nossas escolhas alimentares. Quem não lembra daquele doce que a mãe fazia e sente saudades? Ou daquela comida caseira da avó? A memória do paladar vem associada ao momento alegre e acolhedor. Afinal, quando estamos tristes, uma das coisas mais comuns que fazemos, é recorrer a algum alimento da infância. Alguns comem chocolates, outros balas ou pão. Lembro de um amigo mexicano que dizia sentir saudades da comida de rua, tão comum por lá, cheia de temperos e picâncias, e que apesar de se comer em pé, era cheia de referências ancestrais. Diferente de nós aqui, pois nosso fast food é, em geral, americano. O que também diz muito de quem somos. Ou de quem tentamos ser. Ou da nossa falta de identidade e memória.
Comer também pode ser uma espécie de filosofia de vida. Escolher comer alimentos sem agrotóxicos ou não comer nenhum tipo de carne é muito mais do que querer ser saudável. É respeitar-se a si e ao outro, seja quem ele for. Estamos no território da ética animal. O especismo é um modo de discriminação contra quem não pertence a uma determinada espécie. Muito similar ao racismo, ao sexismo e outros tipos de preconceito. O especismo tem como base a exploração e a subjugação do outro. Crescemos em uma sociedade que nos ensinou que existe diferença entre os animais. Há o que levamos no pet para tomar banho e compramos brinquedos e os que viram bife. Só nunca nos disseram que a vida que habita tanto um quanto o outro, é vida, sem diferença alguma entre elas. Mas criamos uma cisão em nós mesmos, para que possamos comer sem culpa. Ou optamos por não pensar no assunto, porque pensar exigiria de nós uma atitude diferente. Alguns dirão que sempre foi assim, desde o tempo das cavernas. Nestas horas lembro do texto de Chimamanda Ngozi Adichie que nos alerta para o perigo de se acreditar numa história única, afinal, nenhuma verdade é absoluta. É só estudar um pouco.
Para encerrar essa discussão que não se encerra, cito Vandana Shiva, “o alimento é uma arma. Quando você vende armas, controla exércitos. Quando controla o alimento, controla a sociedade. Quando controla as sementes, controla a vida no planeta Terra. Nós não podemos esperar que governos e corporações mudem, nós precisamos mudar”.