Pai eu te trouxe flores. São lírios. Estava andando, como tu fazia, pelas ruas e de repente um perfume bom de flores me invadiu. Fechei os olhos e lembrei das vezes em que tu aparecia com um buque de flores para mim, colhidas pelo caminho de teus passos. Às vezes era meio de semana e tu dava um assovio no portão de casa. Eu sabia que era tu. E sempre era. Tu e as flores. Eu descia sorrindo as escadas, abria o portão e a gente conversava sobre a vida naqueles minutos miúdos bem no meio da tua caminhada matinal. Pai, domingo teve eleições, foi a primeira vez que tu não votou. E eu senti tanta falta de conversar contigo. Fiquei imaginando tuas falas e tuas reclamações. E quando algo acontecia que alterava o cenário eleitoral era contigo com quem eu falava. Falava para desabafar, falava para ter um acolhimento da minha raiva. Falava contigo, porque falar é como estar numa casa de muitos quartos. Eu acompanhei toda a apuração sem poder trocar uma única palavra contigo. E tu, desde quando eu era criança, me ensinava a sintonizar no rádio e ouvir as notícias e a trocar de estação em busca de outras visões. Fui ser jornalista por ti, porque sempre vi a admiração em teus olhos para com os profissionais da imprensa. E fazem seis meses que tu não me lê mais.
Falta
Opinião
Saudades
Às vezes penso que morrer acontece quando a vida fica grande demais e não cabe mais no corpo
Adriana Antunes
Enviar email