Tenho um certo receio de pessoas muito trabalhadas na luz. Gente que emana luz e positividade pelas redes sociais, é frequentadora assídua de alguma religião e usa a fé para se colocar como melhor que os outros, é grata por tudo, manda beijos de luz para o universo, tem sempre algo a dizer para o outro sobre sua dor, sei não, me cheira à positividade tóxica.
Gente que nos vê meio triste ou angustiados e diz que se não fizermos para melhorar não iremos ir para frente mesmo ou que não é para ficar reclamando porque tem gente em pior situação que a nossa e não reclama. Essas são falas-gatilho para reprimir ainda mais nossa dor e impotência diante da vida. Além do que nos fazer sentir vergonha de não estar bem.
Essas pessoas iluminadas, que não sentem raiva e são trabalhadas no perdão, mal sabem que essa positividade toda pode estar relacionada a uma necessidade de esconder de si e dos outros os afetos e desafetos que (des)regulam a sua vida. Não dá para guardar nossos sentimentos dentro de uma caixa e achar que eles desaparecem simplesmente porque não os percebemos. Está aí a somatização, a dor no corpo, para nos mostrar que em algum lugar as coisas mal resolvidas dentro de nós acham um jeito de serem vistas. Ou seja, somos regidos por nossas emoções, traumas e sintomas. E, apesar de isso ser assustador, é o que nos faz humanos.
Além disso, essa positividade tóxica nos exige estar bem o tempo todo, não apenas felizes, mas iluminados, radiantes de boas energias, bom humor e amor no coração. E isso é uma ilusão. Na maioria das vezes estamos é com raiva do mundo, lutando internamente para nos entender, sofrendo por alguma decisão não tomada ou tomada de um modo errado, nos autocriticando por algo que discutimos, por termos falado demais, por ganhar pouco e ter de dar conta da vida, angustiados pelas angústias de estar vivendo com alguém ou estar sem ninguém. Não sobra muito espaço para a luz. Na bem da verdade, circulamos muito mais pelas beiradas da sombra, oscilando entre o inferno e umbral.
E quando nos damos conta disso o que precisamos é de alguém que acolha nossa escuridão. Há dias que nem nós mesmos nos suportamos, então o melhor é se recolher. Para que ficar postando e posando de pessoa bem resolvida para os outros? Qual é o problema se descobrirem que não somos tão bons e bonitos como achamos que somos? Não seremos mais amados? Seremos rejeitados?
Quando negamos aspectos negativos nossos, reprimimos sentimentos e quanto mais os negarmos em nós, mais teremos dificuldades de lidar com a tristeza. Adiante isso pode nos carregar para a ansiedade ou depressão.
Precisamos ser honestos com nossas vulnerabilidades, isso nos dá a liberdade de experimentar outras emoções e de aprendermos com elas. Tá tudo bem não estar bem, afinal, não conseguimos ser positivos o tempo todo. Já diz a letra do Frejat, quem ri demais é desespero. Quem sabe começamos a validar o que sentimos ao invés de ignorar.