Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Quatro semanas atrás, olhamos, eu e colegas da área de modelagem computacional, para os modelos epidemiológicos que começavam a surgir, comparando-os com alguns dados da capacidade do sistema público de saúde no Brasil. Suspeitamos de que havia uma grande desproporção entre as duas coisas. Um deles avisou de uma iniciativa de urbanistas preocupados com a situação das favelas durante a pandemia, que tinha recomendações para evitar uma catástrofe.
Um grupo de 20 pessoas reuniu-se, então, para adaptar um modelo epidemiológico para a realidade do Estado do RJ, incluindo as suas particularidades em termos de adensamento urbano e capacidade hospitalar. O resultado foi publicado em um website, o favelascontracorona.com.br.
A mensagem era simples: se não fossem tomadas medidas de redução do adensamento excessivo, fornecimento de material de higiene e expansão de leitos de UTI, os fluminenses correriam o risco de passar até 93 dias sem qualquer leito de UTI disponível e com uma fila de até 77 mil pessoas. Isso poderia ser o colapso não só do sistema de saúde, mas da sociedade.
Mais tarde criamos uma versão do simulador que projeta os dados de qualquer localidade. Algumas dessas medidas (ainda insuficientes) estão sendo tomadas aqui e ali.
Uma grande lição dessa experiência é a dificuldade, no atual contexto brasileiro, de colocar de pé uma narrativa baseada em uma ciência cidadã, sem compromisso com organizações políticas nem com o corporativismo das profissões mais tradicionais.
Concorremos com as idas e vindas do governo federal, que ocupa o espaço da situação e da oposição. Convivemos com bots que inundam o ambiente digital com falácias governistas. Bots que são apenas uma das armas das avançadas ferramentas de propaganda que envolvem análise de redes, psicometria e marketing segmentado. Acabamos por brigar pelo exíguo espaço das projeções que tratam a epidemia como um fim em si mesmo, sem olhar para o contexto social como fizemos.
Pergunto-me qual o futuro de uma nação presa na polarização entre as narrativas fabricadas como meras estratégias políticas e um escasso setor racional repleto de silos, que há muito perdeu o contato com a realidade e que, portanto, é incapaz de contar histórias com apelo.