Por Fernando Goldsztein, fundador do The Medulloblastoma Initiative, conselheiro da Children's National Foundation e MBA, MIT Sloan School of Manangemnt
Estava em Washington na fila de embarque do voo 821 de regresso ao Brasil. Havia, bem na minha frente, um casal de americanos na faixa dos 70 anos de idade. A propósito, nos EUA não existe fila e nem vaga preferencial para idosos. Existe, sim, preferência para pessoas portadoras de alguma deficiência. Portanto, se você tem 80 anos e está em boas condições físicas, faz fila como qualquer outra pessoa.
Bem, voltando ao casal septuagenário na minha frente. O senhor puxava uma mala de mão, semiaberta, repleta de jornais. Sim, apesar de cada vez menos frequente, o jornal impresso ainda tem a sua relevância.
Por coincidência, ao entrarmos na aeronave, sentamo-nos na mesma fila, cada um de um lado do corredor. Mal ele se acomodou na poltrona e já se postou a ler. Percebi, então, que não eram só jornais. Além do NY Times, Washington Post e Wall Street Journal, trazia também revistas como a The Economist, a Foreign Affairs e uma outra que não consegui identificar. Ela, por sua vez, puxou linha e agulhas e começou a tricotar. Aliás, eu nunca tinha visto alguém tricotando no avião. Como ela teria entrado a bordo portando agulhas? Seja como for, estavam muito entretidos. Não cochilaram e nem puxaram seus celulares. Ele lia e ela tricotava.
Confesso que fiquei com uma certa inveja daquele casal analógico
O curioso, além de tudo, é que ele recortava — com as mãos — os artigos que mais lhe interessavam. Foram vários recortes. Lembro que eu também fazia isso, mas era no século passado, literalmente. Hoje em dia, se faz um print da tela, ou se temos algo impresso nas mãos, fazemos uma foto com o celular, e pronto.
Ela, por sua vez, concentrada no seu tricô, estava totalmente entregue aos seus pensamentos. Nada de filmes, notícias, redes sociais, WhatsApp e tudo o mais que nos seduz e hipnotiza 24 horas por dia. E assim foram, durante as cinco horas de voo.
Saí do avião pensativo. Será que voltarei a ver uma cena como aquela? Confesso que fiquei com uma certa inveja daquele casal analógico do voo 821. Quem dera eles pudessem nos servir de inspiração. Quem dera pudéssemos desacelerar e nos desvencilhar, ainda que um pouquinho, da nossa vida digital. Nossos cônjuges, filhos e amigos, certamente agradeceriam.