Tempo de Natal é mais propenso a milagres, mesmo para quem não é cristão, nem tem fé. A magia fica no ar, e acontece às vezes de uma simples tentativa de crônica tomar os rumos de um pretenso conto natalino. Coisas que só o espírito da época conseguiria explicar, se isso fosse possível.
Antes da avalanche de árvores com neve falsa cercadas de presentes, a data tinha mais a ver com presépios singelos, mas comoventes. Foi ao ordenar as peças em argila colorida em torno da manjedoura que os moradores da menor casa da rua, quase de boneca, perceberam a falta justamente do Menino Jesus.
Foi ao ordenar as peças em torno da manjedoura que eles perceberam a falta justamente do Menino Jesus.
Quem pegou?, perguntou a garota mais velha. Eram sete crianças, em escadinha, mais Banzé, o cachorro grandalhão da vizinhança, com aquela mania de lamber o pão sem manteiga e sem nada dos menores e de levar sempre a bola feita de trapos, encerrando o jogo. Difícil dizer qual deles fez cara de mais inocente.
O olhar da garotada faiscava como estrelas de Belém diante de ovelhas e pastores, do burro sem a cauda e da vaca com uma orelha quebrada, dos três reis magos à distância, de Maria e José, à espera. Mas como é que o Menino vai nascer se ninguém sabe onde está?, reclamou a menor das crianças, sem tirar a chupeta da boca. A resposta foram olhares idênticos de cumplicidade.
Na noite de Natal, os quatro meninos e três meninas foram dormir bem cedo, desapontados.
Já não bastava aquela presença incômoda da ausência dos pais, que saíram para procurar trabalho e nunca mais voltaram? Tinham agora que suportar também o vazio dorido bem no centro do presépio amplificado com suas fantasias? Pensavam nisso do seu jeito, como num sonho coletivo, quando alguém bateu à porta.
Antes de espiarem pelas frestas, ouviram o rosnado de Banzé. A dona do cão, bem à frente deles, tinha a cabeça envolta num véu e um bebê recém-nascido no colo. O homem ao seu lado, com uma cara paternal por baixo da barba longa, jogava o peso do cansaço sobre um cajado. Entre ambos, sacudindo o rabo de felicidade, Banzé salivava com a imagem do Menino Jesus na boca. Exibia-a como se fosse um osso, mas a menor das crianças conseguiu tomá-la sem esforço, colocando-a finalmente no berço, sob a expressão extasiada de todos.
Um dos bebês começou um choro silencioso, que se estendeu entre os demais. Não conseguiram identificar se tinha sido o do colo ou aquele de barro, com as cores dissimuladas pela sujeira. Mas já nem isso importava na casa pequenina, subitamente agigantada pela alegria.
Como se tivessem combinado, todos começaram a pedir colo ao mesmo tempo, incluindo a mais velha e Banzé, pois era apenas disso que estavam precisando. O homem e a mulher se multiplicavam em braços e abraços, desejando uma feliz noite. Nem precisavam pedir também que fosse mágica. A corrente de votos se estendeu além daquele lar e do tempo, até alcançar quem está agora diante das palavras reunidas neste texto, que chegou ao final, como tudo, inclusive o melhor Natal, aquele que fica na memória para sempre.