Há alguns dias, o prefeito de São Paulo, João Doria, lançou o programa Alimento para Todos. No evento, foi anunciada a produção de uma farinha processada a partir de alimentos doados, o que evitaria o desperdício desses produtos. Isso foi motivo para os mais variados tipos de reação nas redes. De um lado, críticos batizaram o produto de "ração para pobre", pois funcionaria como um mecanismo para redistribuir "as sobras dos ricos para os pobres". De outro, os defensores afirmam que é uma ação importante para complementar a alimentação das pessoas mais carentes através de um processo economicamente eficiente.
Como de hábito no Brasil recente, as discussões sobre temas polêmicos acabam tendo a profundidade de um pires. O foco fundamental, que são os pobres e subnutridos, é ignorado, trocado pela paixão da defesa ideológica. Você sabe quantos brasileiros estão em condição de insegurança alimentar, por exemplo? É sobre elas a discussão, certo? Só para não deixá-lo curioso: segundo o IBGE, para dados de 2013, cerca de 52 milhões de pessoas experimentavam algum grau de insegurança alimentar.
Suplementos alimentares fornecidos aos mais pobres não são uma novidade. Lembro claramente, na minha infância, que as pastorais da Igreja já forneciam um produto chamado de "farinha multimistura". As freiras da minha cidade faziam um belíssimo trabalho de acompanhamento das famílias e instrução de como usar o complemento, direcionado prioritariamente a crianças.
Pode ser que a ideia da "farinata" seja algo com o mesmo espírito. Mas, a embalagem política tresloucada que se construiu fez com que se esquecesse dos beneficiários no debate. Alimentação é mais do que nutrientes. O ato de comer é um dos pilares mais fundamentais na construção da dignidade humana. Montar o prato, olhar, cheirar, são elementos de identidade das pessoas com seu meio cultural e social. A "farinata" sozinha não será capaz de fazer isso. Ela não pode ser o próprio programa de segurança alimentar.
Porém, ela é um elemento que pode auxiliar na condução de uma política de segurança alimentar. O resultado obtido com a multimistura, por exemplo, tinha relação com o acompanhamento das pessoas, com o sentido de comunidade. Mais importante do que ser um alimento completo, a "farinata" pode ser um elemento agregador de diversas ações de cuidado com as pessoas carentes. Tomara!