
Um modo de vida. É assim que o dono da área onde fica um lixão a céu aberto na zona norte de Porto Alegre, Bruno Cardoso, justifica o fato de alimentar com lixo doméstico os seus porcos. As pilhas de restos de comida atraem urubus, garças e maçaricos, que voam por ali, atrapalhando a decolagem e pouso de aviões nas pistas do aeroporto Salgado Filho, situadas a 600 metros do depósito de detritos.
O lixão foi monitorado pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI), que em duas semanas flagrou uma romaria de caminhões de tele-entulho e também de lixo orgânico jogando detritos na área. O terreno é alagadiço e cortado por arroios que desembocam no Rio Gravataí. Parte dos riachos está obstaculizada por aterros formados por caliça, madeira e outros restos de construção civil ali descartados.
O depósito de lixo é clandestino e, a partir de fotos e filmagens do GDI, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus) autuou o proprietário do terreno onde os detritos são largados.
O dono da área se chama Bruno Cardoso e tem 28 anos. Apesar de jovem, é velho conhecido de policiais da região. Acumula 17 queixas criminais, entre elas três por crime de poluição ambiental, além de várias por agressão e brigas e até duas tentativas de homicídio. Por telefone, ele concedeu entrevista e disse que parte do lixo é largada ali sem seu consentimento.

O senhor foi multado por manter um lixão clandestino, que atrai aves que atrapalham o voo das aeronaves na região. Por que jogam comida ali?
Minha família lida com reciclagem e também porco, galinha e cavalo há décadas. A gente larga para eles comida velha, de restaurante. Agora não sei o que fazer, falaram que tenho de tirar os bichos do terreno em 30 dias. Estou vendo um local em Glorinha. É o jeito da gente viver, meu pai não sabe ler e escrever, é a nossa sobrevivência. Nós se alimentamos dessa atividade. Nós tínhamos tambo de leite, vendia em garrafa, de carroça, na vizinhança. A gente largava o gado num pasto bom, atrás de um depósito de reciclagem, e buscava no fim da tarde. Na época só tinha estrada de chão. Aí saiu a faixa e mudou.
E os caminhões de tele-entulho? Como foram parar no seu terreno?
Eu botei uma porteira, faz uma semana até botei cadeado. O único caminhão desta semana foi o nosso, que a gente pega comida nos restaurantes e bota para os porcos. No entanto, antes disso os tele- entulho largavam no nosso terreno, sem nossa licença. Eles largam por tudo, é só ir na rótula aqui perto (na Severo Dullius), tá cheio de lixo ali.
Existem registros em delegacias contra o senhor. Por crime ambiental. É por esse tipo de coisa?
Sim. Faz tempo, quando saiu a faixa (asfalto). Eu tive que fazer uma estrada pra mim por trás da faixa, para chegar no campo (onde largava o gado). Aí cortei umas árvores, uns maricás. Foi quando me multaram. Nós somos pobres, vivemos é do lixo, dos animais. Falaram em multa de R$ 5 mil a R$ 50 milhões. Não sei o que fazer. A nossa vida não vale isso. Com venda de reciclagem tiro R$ 1,5 mil, R$ 1,7 mil ao mês. Tenho 27 porcos, duas ovelhas, galinhas e gansos. Agora disseram que não posso criar. Pois criamos porco há 75 anos na região. Os meus nem andam na faixa...Como fica? Teve pessoal da fiscalização até meio arrogante, mas entendo, é o serviço deles. Outros entenderam minha situação, nossa história.
E o fato do lixo, do entulho, estar perto do riacho?
Isso é a caliça. Não fomos nós que mandamos colocar ali. Nunca dei licença pra isso. Há cinco anos, quando não tinha faixa, a prefeitura fez obra e espalhou caliça e resto de saibro nessa área. Eles não tinham onde botar.
Esses caminhões de tele-entulho são da prefeitura?
Não, não. Da prefeitura veio só quando fizeram a faixa. Agora é particular. Entram, largam e saem fora. Até me atropelaram um cachorro. Imagina...temos crianças aqui, o risco.
O senhor está cumprindo pena, né...Usa tornozeleira.
Estou. Andaram pegando uns gados nossos. Chegou um cara querendo comprar um porco grande e ofereceu uma arma para brique. Troquei. Dei o porco e R$ 800 pra ele, em troca da arma. Aí eu tava andando a cavalo, passou um patrulhamento e me parou. Por causa da arma. Foi isso.