
Na mesma quinta-feira (24) em que a cúpula da Segurança Pública do Rio Grande do Sul anunciou novas medidas de proteção à mulher, problemas como falta de efetivo e demora no atendimento seguiam ocorrendo no plantão da 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (1ª Deam), no Palácio da Polícia, em Porto Alegre.
Em um caso, a vítima chegou por volta das 18h e só teve o atendimento concluído na madrugada seguinte, às 2h30min, mais de oito horas depois. Até telentrega de comida ela pediu para suportar a espera. Pelo menos uma mulher que estava aguardando, entre a tarde e a noite de quinta-feira, desistiu e foi embora sem registrar ocorrência.
Há um ano, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) mostrou situação semelhante. A reportagem mostrou o impacto da falta de efetivo, que fazia com que vítimas ficassem sem atendimento. Além disso, revelou problemas estruturais no prédio (como falta de acessibilidade e existência de apenas uma cela) e até escassez de papel higiênico e falta de água para o público.
À época, o secretário da Segurança Pública, Sandro Caron, e o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Sodré, disseram ter sido surpreendidos com os problemas e anunciaram soluções, como reforço para as equipes de atendimento do plantão. Caron, que afirmou ter ficado profundamente indignado, disse:
— Se tiver que botar mais 10, 20, 30 policiais civis lá, para dar esse atendimento, nós vamos colocar.
As promessas, no entanto, não se concretizaram ao longo dos meses. O plantão da 1ª Deam, em muitos dias, conta com apenas três policiais. Na manhã desse domingo (27), havia dois plantonistas no local. Para compor com mais agentes as equipes, é preciso tentar atrair interessados com oferta de hora-extra, ou seja, não há plantonistas fixos em número suficiente.
— Chega muita ocorrência com pessoa presa (agressores pegos em flagrante) e vão colocando na nossa frente. Tem pouco policial para atender, só três de noite, mas a gente precisa, né? Voltar para casa sem fazer nada não dá, pois pode acontecer coisa pior. Ele (marido) está muito agressivo. Tinha gente esperando lá desde as 16h. Eu cheguei em casa 3h (da sexta-feira, 25) — contou a vítima de agressão que esperou mais de oito horas por atendimento.
Medidas de proteção
Na última quinta-feira (24), Caron, Sodré e o delegado Christian Nedel, diretor do Departamento de Proteção a Grupos Vulneráveis (DPGV), ao qual as Delegacias da Mulher são subordinadas, anunciaram medidas para conter a violência doméstica, depois de o RS ter seis casos de feminicídio na Sexta-Feira Santa.
A principal delas é a possibilidade de as vítimas pedirem medida protetiva de urgência em ocorrências online, sem precisar comparecer a delegacias.
Segundo as autoridades, essa ação é, justamente, para tornar mais ágil o atendimento. No entanto, o problema histórico de atendimento precário nas delegacias segue e interfere até mesmo nas novas medidas: os responsáveis por acessar e analisar os pedidos online das vítimas são os mesmos plantonistas que já atuam com déficit nas delegacias.
A novidade anunciada pela chefia de polícia sobre o pedido de medida protetiva online também esbarrou na falta de plantão da 2ª Deam: sem agentes atendendo 24 horas, não tem quem receba e analise os pedidos. Desta forma, os policiais foram orientados, às pressas, de que deveriam criar um sistema de sobreaviso para ficarem cuidando, depois das 18h, se chega alguma decisão judicial sobre as medidas solicitadas pelas vítimas. Se chegar, é preciso dar encaminhamento, ainda que não haja equipe de plantão naquele horário.
Em janeiro, um processo administrativo (PROA) foi aberto com alerta à direção do DPGV sobre excesso de demandas no plantão e carência de pessoal. Foi apontado que o plantão, por ser o único atendendo a casos de violência doméstica na Capital, deveria contar com equipes de seis ou oito policiais. O reforço não ocorreu.
Delegacia só em horário comercial
Na 2ª Deam, instalada em agosto do ano passado para atender casos das zonas norte e leste da Capital, a situação não é muito diferente. Criada para só funcionar em horário comercial — fecha na hora do almoço e encerra o expediente às 18h —, a unidade não ajuda a desafogar o movimento do plantão e obriga vítimas a se deslocarem até o Palácio da Polícia, onde fica a 1ª Deam. Há relatos de queixas de policiais militares, que se dirigem para lá e não conseguem atendimento, além de mulheres que tentam fazer registro. Em um dia da semana passada, quando a delegacia já estava fechada, uma vítima bateu e chamou. Um policial que ainda estava no prédio informou que não havia atendimento e que ela deveria ir ao Palácio da Polícia.
— Não esqueço a cena, ela virou as costas e disse: demoro tanto a ter coragem e chego aqui e está fechado — recorda o agente.
Contraponto
O que diz o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Sodré:
"Não estou sabendo. Mandei colocar equipes de cinco policiais, mais que isso não tenho efetivo. Se tem problemas, vamos apurar. Não estou lembrado deste PROA, se despachei. Vou mandar verificar. Na 2ª Deam queremos ter plantão, mas só quando uma nova turma de policiais se formar."
O que diz o delegado Christian Nedel, diretor do DPGV:
"Abrimos um PROA (não é o mesmo citado na reportagem e na resposta do chefe da Polícia Civil) no final do ano passado, mas era tão somente para solicitar reforço por conta das férias e operação-verão dos agentes, e como estávamos com aumento de demanda no plantão, apenas para solicitar reforço do pagamento de horas-extras suplementares para policiais do departamento que poderiam auxiliar as equipes plantonistas, de forma que ficássemos com efetivo mínimo para atender as demandas ao longo desses meses e, principalmente, final de semana. Essa foi a razão de abertura desse PROA, reforço de policiais para período específico, de dezembro a março. Temos, atualmente, no plantão da Deam, 21 policiais: uma equipe com cinco e quatro equipes com quatro policiais, Eventualmente, por férias, licenças e outros afastamentos, podemos ficar com três policiais nas equipes, mas a lotação é de no mínimo quatro policiais."
O que diz a secretaria da Segurança Pública:
"O governo do Estado vem recompondo os efetivos das forças de segurança e a Secretaria da Segurança Pública já havia determinado a imediata solução do problema.
Atualmente, o Estado possui o maior efetivo da Policia Civil nos últimos anos e disponibiliza servidores para atender em várias frentes. Em 2023, ingressaram 269 novos policiais enquanto em 2024 entraram mais 331.
Após os fatos mencionados no ano passado, o Secretário Sandro Caron determinou a resolução do problema e reforçou que não se repetisse. O combate à violência doméstica é prioridade nesta gestão.
Diante disto, foi solicitado à Chefia de Polícia a imediata apuração, via corregedoria, das circunstâncias apontadas na reportagem".
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.
Ministério Público do Rio Grande do Sul
- O Ministério Público do Rio Grande do Sul atende o cidadão em qualquer uma de suas Promotorias de Justiça pelo Interior, com telefones que podem ser encontrados no site da instituição.
- Neste espaço é possível acessar o atendimento virtual, fazer denúncias e outros tantos procedimentos de atendimento à vítima. Para mais informações acesse: https://www.mprs.mp.br/atendimento/