
Desde o início de 2025, cerca de 20 famílias dos bairros Canudos, Operário e Liberdade, em Novo Hamburgo, nio Vale do Sinos, passaram a receber notificações da prefeitura para desocuparem e demolirem os imóveis. Em alguns casos, os moradores afirmam que estão há mais de 30 anos no mesmo local e dizem que não têm para onde ir. O assunto foi judicializado e já existem liminares impedindo a remoção de pelo menos sete famílias.
Uma das notificações chegou ao pedreiro Luiz Fernando dos Santos, 29 anos, que mora numa casa com a esposa e os três filhos no bairro Canudos. Ele sustenta que vive no mesmo local desde que nasceu.
— Só deram uma notificação dizendo que em cinco dias a gente tinha que destruir nossa casa — reclamou Luiz Fernando, que estava reformando o imóvel atingido pela enchente de maio de 2024. Ele foi uma das pessoas que obteve liminar na Justiça.
Já a secretária Alessandra Chassot não conseguiu judicializar o caso a tempo. Ela afirma que recebeu uma notificação em 14 de janeiro e a demolição com máquinas da prefeitura ocorreu no dia 23 do mesmo mês.
— Eu tô me sentindo perdida, porque não sei se posso fazer uma casa. Tenho medo de fazer casa de novo e virem aqui demolir. Me deixaram sem local para morar, sem nada. Perdi também todo o valor investido aqui. Não entendo por que, logo no início, não vieram notificar e parar a obra. Por que na fase final? — questionou.
Alessandra afirma que já morava no local há quatro anos, mas estava construindo uma nova casa com materiais doados, porque a antiga foi destruída pela enchente. Atualmente, Alessandra está na casa dos pais, junto com o filho.

Procurada, a prefeitura alegou que três demolições que ocorreram eram de “construções irregulares situadas em áreas públicas onde não havia nenhuma família residindo, justamente, por serem obras em andamento” (leia manifestação na íntegra abaixo).
O prefeito Gustavo Finck alegou que os prédios destruídos não serviriam de “forma social”, mas que seriam para uso comercial. Sobre o questionamento de não haver notificação antes, o chefe do executivo afirmou que as gestões anteriores não agiram.
— Nós não podemos pagar um preço alto que o passado ou outros gestores não fizeram sua parte. Nós, os gestores, queremos organizar a cidade, mas não vamos tirar ninguém, nenhuma família, nenhuma senhora de idade como dizem. Só demolimos prédios que estavam sendo construídos de forma irregular — afirma.
Além disso, a prefeitura sustenta que as remoções são necessárias porque as áreas serão usadas para a construção de mais de 900 residências populares para realocação de moradores atingidos pela enchente.
Judicialização
Pelo menos sete famílias conseguiram liminares na Justiça para impedir a demolição dos imóveis. As decisões foram tomadas por dois desembargadores diferentes, que deferiram os pedidos.
“Portanto, diante do exposto e em razão da vulnerabilidade das pessoas que ocupam o imóvel, faço necessária a observância de precauções especiais, para que não haja a execução de medidas precipitadas que possam agravar a situação social e pessoal das famílias envolvidas” escreveu o desembargador Leandro Klippel, em uma liminar que impede a remoção de seis pessoas.
Responsável pelos pedidos, o advogado Ronaldo Schneider nega que as obras sejam novas, como alega a prefeitura.
— Eles dizem que seria uma obra nova, e que por isso teria que ser demolida. Não é uma obra nova, ele apenas ergueu sua casa porque toda vez que tinha enchente ela era inundada. Ele está habitando — disse sobre o caso do Luiz Fernando.

A Defensoria Pública, por meio do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia também passou a acompanhar o caso.
Bairro Santo Afonso
Além das áreas mencionadas, a prefeitura de Novo Hamburgo iniciou a comunicação de 53 famílias do bairro Santo Afonso, que moram na área do dique sobre o Rio dos Sinos. Finck afirma que essas famílias moram em cima do dique e precisam ser removidas até abril para início das obras de contenção e ampliação da estrutura de proteção contra cheias.
Os moradores receberam notificações com prazo de cinco dias. O prefeito declarou que houve uma interpretação equivocada dos moradores sobre o prazo para desocupação.
— Essa notificação de cinco dias era para irem até a secretaria de assistência social para mostrar que a comunidade teria que sair do local, mas que haveria algum benefício. Para que pudessem entender o que teriam de ajuda. Mas as pessoas entenderam que era para sair de suas residências em cinco dias — disse o prefeito.
Segundo a prefeitura, caso não haja a remoção das famílias, o município pode perder verbas federais para obras.

Confira a manifestação por escrito, da prefeitura, sobre questionamentos feitos pela reportagem
Quantas famílias receberam notificação para demolição/desocupação dos imóveis?
Foram expedidas em torno de 20 notificações.
Quantas residências foram demolidas pelo Poder Público?
Nós precisamos fazer uma distinção muito grande com relação às desocupações e demolições.
As três demolições que ocorreram foram de construções irregulares situadas em áreas públicas onde não havia nenhuma família residindo, justamente, por serem obras em andamento. Ou seja: uma construção na Estrada da Integração, uma construção no bairro Operário e outra no bairro Liberdade.
Nos três locais, os responsáveis pelas obras foram notificados para que parassem as construções imediatamente. Em todos os casos, a determinação não foi respeitada e a demolição realizada pelo município.
Qual o motivo das notificações?
Com relação às notificações expedidas para moradores na Avenida dos Municípios, que é onde se concentra o maior volume de habitações, trata-se de uma zona de preservação ambiental e constantemente acometida por cheias. Afinal, o local fica muito próximo às margens do Rio dos Sinos e integra a zona de banhado do rio. A desocupação neste caso leva em consideração o risco ambiental, mas também a segurança desta população, visto que a região alaga em todas as enchentes.
Além disso, mais famílias serão notificadas a deixar suas moradias no bairro Santo Afonso em razão das obras de contenção e ampliação do dique sobre o Rio dos Sinos, próximo à Casa de Bombas. Ao todo, 53 foram contatadas inicialmente pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Habitação (SDSH) para que procurem a pasta e comecem a integrar os programas sociais e habitacionais do Município.
Já com relação às notificações expedidas para moradores no bairro Canudos, que totalizam quatro famílias, a desocupação ocorre pelo fato das moradias estarem situadas sobre uma rua projetada, prevista no Plano Diretor da cidade. Esta via futura, inclusive, será acesso de empreendimento habitacional financiado pela Caixa Econômica Federal, que prevê a construção de centenas de apartamentos. Ou seja, o conjunto habitacional amenizará o déficit do Município e beneficiará diretamente moradores afetados pela enchente de maio do ano passado e cidadãos em estado de vulnerabilidade social.
Caso a desocupação não se concretize, Novo Hamburgo corre o risco de não conseguir a aprovação do projeto junto ao banco.
Inclusive, é bom salientar que todas as áreas citadas acima são públicas.
A Prefeitura de Novo Hamburgo também informa que: nenhuma família terá a desocupação concretizada sem a garantia de acesso aos programas sociais de habitação mantidos pelo Município. Ou seja, serão disponibilizados os recursos e as orientações para adesão ao aluguel social a essas famílias.