Moradores de Palmares do Sul, na Região Metropolitana, Neusa Lúcia dos Santos e Salvador Gomes se depararam com um documento inesperado em suas caixas de correio nos últimos meses.
Os dois, que não sabem dirigir, foram multados por conduzir veículo sem Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Considerada infração gravíssima pelo Código Brasileiro de Trânsito, a infração gera uma punição salgada: R$ 574,62.
- Achei estranho. Até pelo dia que está indicado no documento: uma terça-feira, que é quando costumo ir ao centro espírita à noite, então fico o dia inteiro concentrada em casa - conta a aposentada de 64 anos.
Neusa e Salvador não estavam dirigindo, mas as multas não foram emitidas por engano. Nos dois casos, os proprietários foram punidos por deixarem de informar ao Detran quem conduzia seus carros quando outra infração foi cometida - ambos têm carros no seu nome, mas que são usados por familiares.
Desde dezembro de 2014, o Detran gaúcho utiliza um sistema eletrônico que responsabiliza os donos dos carros sem habilitação que não apresentam, ao órgão, o motorista que dirigia no momento em que o veículo é flagrado em uma infração.
Assim, em casos como o de Neusa e Salvador o sistema entende que há duas infrações: além da irregularidade original flagrada pelo agente de trânsito, o proprietário estaria assumindo que conduzia o veículo sem habilitação. Afinal, o sistema acusa que ele não tem carteira. A partir disso, uma nova multa é gerada automaticamente, conforme uma resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) de 2012.
- Essa resolução foi criada para coibir uma prática que se via, de comprar carro no nome de quem não tem habilitação para escapar das pontuações na CNH. Em alguns casos, provavelmente, o erro do proprietário foi não apresentar o condutor. Mas aí é uma questão da lei. A gente cumpre a lei - diz o chefe da divisão de infrações do Detran-RS, Marcelo Ferreira.
Reprovação em exame de direção bate recorde no RS
Sete dos dez pardais que mais multam estão na BR-101
Ou seja, se uma multa chega em casa e o condutor não estava dirigindo, precisa informar quem estava. Dá para fazer pelo correio, como informa o Detran.
Poucos sabem disso em Palmares do Sul. O filho de Salvador, Alexandre Gomes, descobriu que algo estava acontecendo quando seu pai, agricultor que nunca dirigiu, foi multado por andar por aí sem carteira, e não foi o único.
- Achei muito estranho. Fui perguntar para o despachante o que tinha acontecido e ele me contou que o Jorge (marido de Neusa), que é meu amigo, tinha passado pela mesma situação - relata Alexandre, que havia sido autuado por excesso de velocidade em um pardal um tempo antes.
Por ser o único despachante do município de 11 mil habitantes, Antônio Reis foi quem percebeu o padrão.
- De uns dois meses para cá, já perdi a conta de quantas pessoas vieram com o mesmo problema. É sempre igual: a pessoa é a proprietária do veículo, mas não é habilitada. Só que ela também não dirige. Aconselhei-os a procurar a ouvidoria do Detran para reclamar - afirma o despachante.
Saiba quais modificações no carro são permitidas pela lei
Contran adia obrigatoriedade do uso de extintor veicular ABC
Em pouco mais de seis meses, o sistema adaptado para aplicar automaticamente as autuações já registrou cerca de 50 mil casos, segundo Marcelo Ferreira, do Detran. Entram na contagem outras situações de direção em situação irregular, como dirigir com habilitação vencida, suspensa, cassada ou de categoria diferente do veículo guiado.
Professor de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Bruno Miragem considera a regra "abusiva", porque parte de uma presunção contrária ao proprietário do veículo sem um fato que a sustente, uma vez que o departamento não tem como provar que o condutor do veículo era seu proprietário. Outro problema, segundo ele, é a falta de base legal para a punição, já que as resoluções do Contran não têm força de lei.
- Se entende o mérito da iniciativa para evitar esses casos apontados pelo Detran, que não são a regra. Mas, se o caso é punir o proprietário por não apresentar o condutor, o que hoje não é uma obrigação, mas uma faculdade, me parece excessivo. O jeito seria criar uma lei federal, indicando a nova infração.
* Zero Hora