A participação de uma delegação ou Missão, como chamam os comitês olímpicos nacionais, em um evento do tamanho dos Jogos Olímpicos não se limita à classificação de atletas e distribuição de voos para cidade-sede e alocação dos atletas na Vila Olímpica. Ela vai além.
Os países apontados como grandes potências têm preocupações extremas com alimentação, condições climáticas, acompanhamento médico, físico, fisioterapia, logística e distribuição de material, que envolve não só uniformes de competição. É possível dizer, sem dúvida alguma, que as principais nações carregam pequenas cidades cenográficas para estas competições, já que tudo que se necessita é montado em tendas e nos prédios que são ocupados por elas. E esse é o caso do Time Brasil.
Aliás, aqui cabe uma explicação singela. Em Olimpíadas, Jogos Pan-Americanos, Sul-Americanos, da Juventude, o grupo de atletas compõe o Time Brasil. Quando são equipes de determinadas modalidades ou mesmo provas individuais de algum esporte, eles formam as seleções brasileiras. É a soma de todas elas que será o Time Brasil.
Para os Jogos de Paris, mais uma vez o Brasil irá adotar a utilização de bases de treinamento próximas à França e outras no próprio país. A principal delas é a da cidade de Saint-Ouen, que tem aproximadamente 50 mil habitantes e fica a 6,6 quilômetros do centro da capital francesa. O acordo foi selado em junho de 2022, após algumas visitas de integrantes do Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Saint-Ouen é a grande base brasileira na França
A cidade é conhecida por abrigar o famoso Mercado das Pulgas de Paris, que é considerado o quinto local turístico mais visitado da França. O complexo é formado por 14 mercados que vendem desde produtos e objetos dos séculos 17 a 19 até barraquinhas com produtos chineses, muitas vezes cópias de grandes marcas.
— Poucos países utilizam esse modelo. Nas Américas, além do Brasil apenas Estados Unidos e Canadá — comentou o presidente do COB, Paulo Wanderley, em entrevista à Rádio Gaúcha em junho de 2022, pouco depois de assinar o contrato com a prefeitura da cidade localizada no departamento de Seine-Saint-Denis.
Em Saint-Ouen, os brasileiros utilizarão as dependências do Château Saint-Ouen, que foi construído em estilo italiano, a pedido de Luís XVIII, que o presentou à sua amante Zoé Victoire Talon, Condessa Achille de Baschi du Cayla, que ali morreu em 1852.
Durante a Primeira Guerra Mundial, serviu como hospital militar. Na Olimpíada deverá acomodar os serviços médicos, preparação mental, áreas operacionais. Será um local de encontro com familiares e amigos e ainda conta com uma cozinha, onde poderá ser feita alimentação brasileira.
A Escola "Pequeno Príncipe" receberá serviço de apoio à performance, que irá oferecer uma variedade de salas e estruturas para acomodar todas as demandas operacionais e de serviços de performance, além de uma ampla cozinha para o preparo das refeições brasileiras.
Já o Grande Parque Das Docas de Saint-Ouen será utilizado pelas modalidades que permaneçam o período completo nos Jogos e que possuem um deslocamento significativo até as instalações oficiais. Assim como foi em Crystal Palace, nos Jogos de Londres-2012, este será um local exclusivo de treinamento ao lado da Vila Olímpica. Nele será construída uma quadra temporária para o vôlei de praia.
Ao lado Parque das Docas está localizado o Ginásio das Docas. Neste ginásio, as equipes de vôlei poderão treinar sem restrição de horário. Localizado a 10 minutos da Vila, receberá a estrutura de força e condicionamento, já que a modalidade trabalha quadra e força simultaneamente.
O Time Brasil utilizará até 40 mil peças de roupas, que serão organizadas para a montagem das malas dos atletas. Na Serra Wangari, uma antiga estufa responsável pela educação ecológica de jovens e escolares, será montado um espaço de entrega da mala, atendimento de troca e ajustes, feito por costureiras no local. Este espaço também funcionará para treinamento da equipe do Boxe. O nome é em homenagem a Wangari Muta Maathai (1940-2011), ativista ambiental queniana e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 2004.
Mas além de Saint-Ouen, o COB também disponibilizará aos atletas outras bases. A principal delas ficará em Portugal, na cidade de Rio Maior, numa parceria iniciada na pandemia e que serve como espécie de casa para os atletas brasileiros na Europa. Na França, o Time Brasil ainda terá bases de apoio em Marselha, onde serão as disputas da vela; Seine et Marne (canoagem e remo), Châteauroux (tiro esportivo), Lille (handebol) e Taiti (surfe).
Casa brasileira na Europa, o CT de Rio Maior
Considerado um dos principais centros de treinamento do mundo pela Associação de Centros de Performance Esportiva, o Rio Maior Sports Centre, em Portugal, é um local que ficou bastante conhecido dos atletas brasileiros durante a pandemia. Foi lá, que muitos começaram a treinar na chamada Missão Europa, que serviu como preparação para os Jogos de Tóquio, em um momento em que o mundo vivia as incertezas do covid-19.
O centro de treinamentos português tem um complexo aquático, com piscina olímpica (50 metros), semiolímpica (25m) e tanque de saltos; um estádio, com pista de atletismo, um ginásio para os esportes coletivos; duas salas para os esportes de combate; quadras de tênis, padel e campos de futebol.
Em Rio Maior ainda é possível utilizar um espaço exclusivo de fisioterapia, laboratório de avaliações, salas e auditório para reuniões das equipes e um alojamento com 48 quartos, que podem abrigar de uma a quatro pessoas.
"Maracanã do Surfe" e comida brasileira: a base no Taiti
Uma das modalidades onde o Brasil espera conquistar medalhas é o surfe. Porém, a modalidade não será disputada na França. Os surfistas brigarão pelo pódio no Taiti e, por isso, o COB em conjunto com os atletas e a Confederação Brasileira de Surfe (CBSurfe) optou por contratar uma área exclusiva para os seis surfistas nacionais.
— Os brasileiros dizem que é o "Maracanã do surfe", é um lugar que eles gostam de estar. Tem um significado muito importante para eles. Nós entendemos o que eles estavam habituados e tentamos não descaracterizar isso no contexto olímpico. Buscamos um local muito próximo do mar. Porque eles gostam de enxergá-lo, ver a formação das ondas, o vento, detalhes da natureza. Nós buscamos esse espaço apresentado por eles e o contratamos. É uma pousada que fica a 500 metros do mar e atende o que eles desejam. É exclusivo — afirma Ney Wilson, diretor de Alto Rendimento do COB.
O dirigente ainda garante que além da localização toda a estrutura necessária já está pronta para a Brazilian Storm.
— Já testamos essas instalações. Vamos ter comida brasileira, levamos um chefe para orientar as cozinheiras locais sobre tempero e como fazer um feijão. Montamos estrutura para trabalhar fisicamente dentro da pousada. Fizemos os ajustes necessários. Conversamos com eles (atletas) e com os treinadores. Está tudo alinhado para que eles cheguem lá e façam uma grande competição, com grande performance — complementa.
No Mediterrâneo, brasileiras irão em busca do tri na vela
As regatas da vela, outra modalidade em que o Brasil é protagonista, serão em Marselha, no sul da França. Na Marina de Roucas-Blanc, no Mar Mediterrâneo, a 660 km de Paris, Martine Grael e Kahena Kunze, por exemplo, irão em busca do tricampeonato olímpico.
— Além da logística complicada tanto por causa do transporte, quanto pelo depósito e manutenção das embarcações, também há questões técnicas como marés, clima, temperatura da água, quantidade, período de maior incidência e direção dos ventos, velocidade que o barco pode atingir, formato dos treinamentos, a própria competição, como que a raia se comporta nessa época do ano. Enfim, são muitos detalhes que precisam ser considerados — explica Sebástian Pereira, gerente-executivo de Jogos e Operações Internacionais e Performance Esportiva do COB.
— O COB e a CBVela já supriram as necessidades de treinamento da equipe brasileira de vela. A estrutura é para treinar na raia olímpica. Sem esse apoio seria impossível treinar lá. Fica na região de Point Rouge. Os clubes lá (em Marselha) são pequenos. É um local em seco para a gente poder guardar equipamento, ter rampa de acesso à água, local para guardar o bote. Uma estrutura que possibilita nosso treinamento. Todas as equipes tem o seu local e isso é fundamental — diz Martha Rocha Lobo, técnica da dupla bicampeã da classe 49er FX.
Muitas modalidades serão na região de Paris, especialmente na chamada Île-de-France, mas a estrutura ofertada será de Saint-Ouen, já que as distâncias não serão tão grandes. Mesmo assim toda uma preparação também está sendo cuidadosamente montada.
Posição estratégica na Vila Olímpica
A Vila Olímpica será aberta no dia 18 de julho. O Brasil foi o primeiro país das Américas a visitar o local, que terá um dos metros quadrados mais disputados da capital francesa entre julho e agosto, já que haverá uma grande limitação de credenciais, o que torna ainda mais importante a utilização de bases exclusivas.
Dentro da Vila, o local onde o Time Brasil ficará hospedado já está definido. O local de moradia da delegação no Setor D da Vila é bem próximo do refeitório e afastado da agitação da Zona Internacional. Outro benefício será a proximidade da área de transporte.
— O Brasil, assim como os países alocados no Setor D da Vila Olímpica, solicitaram um acesso mais próximo a entrada do refeitório para evitar o deslocamento até a entrada principal. O Comitê Organizador acatou a solicitação e abrirá uma passagem, o que nos ajudará bastante com o fluxo de entrada e saída do refeitório. Como os atletas vão até o local três a seis vezes ao dia, consideramos uma adaptação importante — comemora Joyce Ardies, gerente de Jogos e Operações Internacionais do COB.
E como a temperatura no verão europeu será alta, o COB alugará aparelhos de ar-condicionado para instalação nos quartos de toda delegação brasileira que ficará na Vila Olímpica, já que nesta edição eles não serão disponibilizados pela organização, que fala em Jogos sustentáveis. Os aparelhos custam 300 euros a unidade (cerca de R$ 1.675,00). A equipe brasileira deve ocupar 180 quartos e o valor gasto será de cerca de R$ 301 mil.
Capacitação para evitar problemas de logística
E para que tudo ocorra dentro de uma programação pré-estabelecida, o Comitê Olímpico do Brasil tem promovido o Curso de Capacitação de Chefes de Equipe (CCCE), reuniões onde são apresentados detalhes de diversas áreas da operação do COB. A última atividade da programação deste CCCE será em junho, o #PartiuParis.
— Importante lembrarmos neste momento quais os nossos objetivos, nossa responsabilidade e o grande desafio que temos. O nosso objetivo é fazer um trabalho que possa oferecer aos nossos atletas o melhor nível de serviços. Isso para que eles possam ter o melhor rendimento de suas vidas — projeta o diretor-geral do COB, Rogério Sampaio, campeão olímpico de judô em Barcelona-1992.
Hoje o Brasil já tem 187 vagas garantidas em 32 modalidades para Paris. Os Jogos serão disputados de 26 de julho a 11 de agosto.