A fusão é o sonho eterno dos cientistas da energia - segura, não poluidora e quase ilimitada. Até mesmo aqui no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, onde o foco primário do trabalho com fusão envolve armas nucleares, muitos cientistas falam poeticamente a respeito de como ela poderia dar um basta no vício mundial em combustíveis fósseis.
- É o sonho da energia solucionadora, do futuro, disse Stephen E. Bodner, físico aposentado que trabalhou com fusão em Livermore nas décadas de 1960 e 70, lembrando que o foco militar era basicamente uma história de fachada, uma forma de manter o dinheiro do governo fluindo para a pesquisa com energia no laboratório.
- Todos davam uma piscadela, todos sabiam a verdade.
O conceito básico por trás da fusão é simples: espremer átomos de hidrogênio com força suficiente para que se unam formando o hélio. Um átomo de hélio pesa pouco menos que os átomos de hidrogênio originais, e pela equação E = mc(2), de Albert Einstein, essa diminuta quantidade de massa liberada iria se transformar em energia. O hidrogênio é tão abundante que, ao contrário dos combustíveis fósseis ou material físsil como o urânio, nunca irá terminar.
Contudo, a fusão controlada ainda é um sonho perseguido com avidez e perpetuamente fora de alcance. Os cientistas nunca encontraram uma maneira de manter a reação de fusão acontecendo por tempo suficiente para gerar energia capaz de ser usada. A piada corrente é de que a fusão está 30 anos no futuro - e sempre estará.
Agora, no entanto, os cientistas daqui anunciam ao mundo um progresso esperançoso. No mês passado, a equipe liderada por Omar A. Hurricane anunciou que havia empregado os lasers gigantes de Livermore para fundir átomos de hidrogênio e produzir lampejos de energia, como bombas de hidrogênio miniatura. A quantidade de energia produzida era minúscula - o equivalente ao que lâmpadas incandescentes de 60 watts consomem em cinco minutos. Porém, o valor foi cinco vezes maior do que a produção de experimentos de anos atrás. Quando um físico chamado Hurricane gera rajadas significativas de energia de fusão com 192 lasers gigantes, o universo do Twitter se deleita com as possibilidades que só estão nos gibis.
- Ele não fazia parte dos X-Men?, tuitaram em referência ao personagem conhecido como Furacão no Brasil.
- É uma história científica incrível, mas a chance é de zero por cento de que um cientista de fusão a laser chamado Dr. Hurricane não seja um supervilão, brincaram.
Na verdade, Hurricane, 45 anos, está mais para Clark Kent do que para Super-homem. Em vez de salvar o mundo, sua ambição é solucionar a charada científica que tem diante de si.
Ele afirmou que ainda era cedo demais para especular sobre centrais elétricas movidas a fusão a laser no futuro, e tentou distribuir o crédito entre os mais de 20 cientistas da equipe. - Não quero que tudo se concentre em mim ou no meu sobrenome engraçado.
A reação de fusão ocorreu na Instalação Nacional de Ignição (NIF), projeto de Livermore com história polêmica e cara. Depois que os Estados Unidos pararam de fazer testes atômicos subterrâneos em 1992, integrantes do laboratório argumentaram que era necessário dispor de alguma maneira para verificar se as armas iriam funcionar como os modelos de computador previam. A Agência Nacional de Segurança Nuclear, divisão do Departamento de Energia, concordou.
A explicação do projeto encontra-se no último nome: Ignição. Com objetivos simplistas, a ignição foi definida como uma reação de fusão que produz tanta energia quanto o raio laser que a dispara. Para conseguir isso, um pouquinho da fusão inicial tem de passar para os átomos de hidrogênio vizinhos.
O centro da NIF é a câmara-alvo, esfera metálica com dez metros de diâmetro dotada de equipamento de diagnóstico reluzindo para fora. Parece coisa de Jornada nas Estrelas. Na verdade, ela apareceu em Jornada nas Estrelas, servindo de sala das máquinas da espaçonave Enterprise no filme Além da Escuridão.
O complexo de lasers enche um prédio com área ocupada similar a três campos de futebol. Cada rajada começa com um pequeno pulso laser dividido em 192 por meio de espelhos refletores, os quais ricocheteiam em amplificadores de laser que ocupam salas enormes antes de os raios serem concentrados na câmara-alvo, convergindo num cilindro de ouro com tamanho e formato aproximado de uma borracha escolar.
Os raios laser entram pelas partes superior e inferior do cilindro, com o calor gerando um banho intenso de raios X que correm para dentro para comprimir uma bolinha do tamanho de um grão de pimenta. A bolinha contém uma camada de deutério e trítio cuidadosamente congelados, as formas mais pesadas do hidrogênio, e pouco tempo depois - aproximadamente um décimo de bilionésimo de segundo - os átomos implodem e se fundem.
Os cientistas o chamam de tempo da explosão.
Cada disparo é tão curto que o custo elétrico é de apenas US$ 5.
Os diretores de Livermore tinham tanta confiança que a NIF conquistaria a ignição logo depois de ser ligada que esboçaram o plano de construção de uma usina elétrica de demonstração, chamada Energia de Fusão Inercial a Laser (Life), tecnologia que poderia estar pronta para as redes elétricas mundiais até 2030.
Bodner, que deixou Livermore em 1975 e criou um programa concorrente no Laboratório de Pesquisa Naval, foi um crítico persistente da NIF. Em 1995, ele escreveu um artigo prevendo que as instabilidades no gás em implosão impediriam a ignição.
- Por que eles continuaram uma coisa que fracassava quase que imediatamente?, ele questionou durante entrevista.
Bodner defendia outro conceito de fusão a laser que acreditava ser melhor para uma usina elétrica. O cilindro de ouro no projeto de Livermore é ineficaz. Nem toda a energia do laser é convertida em raios X; a maioria dos raios X não acerta a bolinha. Somente 0,5 por cento da energia do laser chega ao combustível.
Nos projetos de Bodner, os lasers atuam diretamente sobre as bolinhas de combustível, o que cria outras dificuldades técnicas, mas o cientista disse que sua equipe conseguiu demonstrar que elas seriam vencidas. Ele se aposentou em 1999.
A NIF começou a disparar os lasers em 2009. Uma faixa desfraldada na frente do prédio proclamava "trazer a energia das estrelas para a Terra". Porém apesar de toda a magia técnica, os três primeiros anos foram em grande medida um fracasso.
As simulações por computador em Livermore haviam previsto implosões robustas levando à ignição. Em vez disso, as bolinhas liberavam só um pouquinho de energia. Os diretores de Livermore mantiveram a confiança pública. Edward Moses, então diretor da NIF, afirmou à revista Nature: - Nós temos toda a capacidade para fazer isso acontecer no ano fiscal de 2012.
Só que não aconteceu.
Até agora, o custo do prédio e de operação da NIF somam US$ 5,3 bilhões.
Durante a maior parte de sua carreira em Livermore, Hurricane trabalhou secretamente como projetista de armas nucleares. Em 2009, ele recebeu um prêmio de renome por solucionar um mistério descoberto na década de 1960 envolvendo a física do que acontece dentro das bombas nucleares, embora ainda não possa falar muito a esse respeito.
- Havia uma discrepância interna, ele disse, escolhendo cuidadosamente as palavras.
Com o fracasso da NIF na ignição, Hurricane foi convidado a oferecer outra visão. - Os gerentes sabiam que gosto de solucionar problemas. Na pressa para chegar à ignição, os cientistas da NIF usaram pulsos laser que atingiam a bolinha de combustível com o máximo de força possível, mas ela se dissolvia antes que a fusão ocorresse. Hurricane ajustou o pulso de laser para inicialmente esquentar o cilindro de ouro. Isso reduziu a pressão da implosão, mas acalmou parte das instabilidades, gerando uma taxa mais elevada de fusão.
Em setembro, a equipe de Hurricane viu os primeiros sinais de que a reação de fusão se espalhava pelo combustível.
- Agora pelo menos temos uma comparação de formação de centelhas, afirmou Jeff Wisoff, diretor interino da NIF.
Desde então, eles elevaram a energia usando cilindros de urânio empobrecido em vez de ouro, embora o resultado ainda esteja consideravelmente longe da ignição.
Porém, Hurricane não pretende resolver os problemas de energia do mundo.
- Na verdade, eu não me restrinjo às aplicações práticas neste momento. Não precisamos marcar um gol agora. Ele disse que só queria fazer a bola rolar e, se as pequenas coisas funcionassem, talvez a NIF chegasse à ignição.
Ciência
Cientistas continuam sonhando com a fusão nuclear
Os cientistas nunca encontraram uma maneira de manter a reação de fusão acontecendo por tempo suficiente para gerar energia capaz de ser usada
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