Do senso de oportunidade de uma psicóloga gaúcha surgiu uma ideia: usar uma tecnologia dominada quase só por crianças e jovens para estimular a atividade cerebral de idosos com queixas de falhas de memória. O resultado é que, duas vezes por semana, em uma pequena sala da Faculdade de Informática da PUCRS, pacientes indicados pelo hospital da universidade brincam em um videogame que os ajuda a recuperar a memória e a estimular a atividade cerebral.
A responsável pela criação e execução do projeto é Simone Assis, 36 anos. Formada em psicologia pela Ulbra, Simone se interessou em neuroreabilitação (recuperação de memória e estudo do cérebro), área em que tem mestrado e agora faz doutorado sob orientação do professor Ivan Izquierdo, uma das maiores referências mundiais na área.
O projeto idealizado por Simone é multidisciplinar, integrado por uma grande equipe. A psicóloga trabalha em parceria com Instituto do Cérebro, Faculdade de Informática e Instituto de Geriatria e Gerontologia. O objetivo é usar o Kinect - sensor de movimentos desenvolvido pela Microsoft para o Xbox - como aparelho de exercício da memória.
- A ideia inicial era trabalhar com o Wii (videogame da Nintendo), mas já existiam vários estudos com essa ferramenta. Com o Xbox, não havia nenhum, e permitiria que os idosos se expressassem mais livremente - conta Simone.
Definida a forma de trabalho, passaram-se alguns meses de reuniões com professores e pedidos de verba para tornar o projeto viável. A PUCRS e a Microsoft compraram a ideia: estão financiando os estudos e provendo o material solicitado por Simone, que vibra com a aceitação e os resultados apresentados pelos idosos. Os jogos escolhidos pela equipe foram concebidos em parceria com a equipe do professor Izquierdo e desenvolvidos do zero por estudantes dos cursos de Engenharia e Ciência da Computação.
- A novidade de uma tecnologia como o Kinect estimula o uso das capacidades motoras e cognitivas dos pacientes, que já estão apresentando melhora em quadros de distúrbios leves de memória - avalia a psicóloga.
Ênio Faber, 68 anos, é um dos que mais tem a comemorar com os benefícios trazidos pelo estímulo do videogame. O idoso sofria com problemas de memória e chegou a se perder ao sair para comprar pão em um supermercado a duas quadras de casa.
- Foi muito ruim, eu me senti completamente desorientado. É muito bom estar participando do projeto e, agora que estou no final do tratamento, já me sinto muito melhor - relata Ênio, que vai sozinho até a universidade e, assim como a maioria dos participantes, não perde uma sessão.
Antônia Souza de Bem, 82 anos, também está encantada. A enfermeira aposentada do Hospital de Clínicas de Porto Alegre tinha vida agitada e se alegra com o fato de poder manter a mente ativa graças ao videogame:
- Estou até cogitando comprar um quando acabarem as sessões.
Quando o assunto é diversão, ninguém bate Maria Angelina Melo de Lemos. Aos 67 anos e de sorriso fácil, a imigrante portuguesa encontra na agitação dos videogames uma forma de se exercitar e se aproximar dos filhos e netos que moram em Portugal.
Quando o estudo for concluído - em agosto do próximo ano, após terem sido avaliados 150 idosos - as técnicas poderão ser aplicadas em maior escala. O Escritório de Transferência de Tecnologia da universidade já foi acionado para uso fora do ambiente acadêmico. Márcio Pinho, professor da Faculdade de Informática e um dos supervisores do projeto, resume:
- É a tecnologia em seu melhor momento, servindo à área da saúde, para de fato ajudar pessoas - avalia.
Como o videogame ajuda a ativar o cérebro?
Lobos frontral e pré-frontal
As funções dos lobos frontal e pré-frontal, ligadas à tomada de decisão, ao controle motor e à atenção, diminuem com o envelhecimento. É como se os dados estivessem lá, mas não pudessem ser acessados. A experiência desperta o interesse dos idosos, aumentando o fluxo sanguíneo na região.
Lobo temporal
Os jogos funcionam como instrumentos de modulação cognitiva, por meio de alterações bioquímicas e na estrutura do cérebro. Entre as áreas estimuladas pela interação com o Kinect está a temporal, ligada à memória e à aprendizagem. Além de recuperar a memória, facilita o registro de novas informações com melhor desempenho.
Para que serve o sensor de movimentos?
Saúde
Terapeutas têm no Kinect uma ajuda valiosa para desenvolver capacidade motora e sociabilidade em crianças autistas. O Centro de Autismo Lakeside, nos EUA, foi um dos pioneiros, com bons resultados. O Royal Berkshire Hospital, na Grã-Bretanha, incorporou o Kinect à reabilitação de vítimas de infarto e pacientes submetidos a cirurgia no cérebro.
Interação
Pesquisadores do Instituto Politécnico da Universidade de Nova York sugerem que o Kinect pode ser útil no reconhecimento de estados de ânimo, o que possibilitaria interação mais inteligente entre softwares e humanos. Não só o Xbox, mas outros aparelhos integrados com o Kinect poderiam até reconhecer se o usuário está feliz ou triste.
Robótica
A empresa japonesa NSK conseguiu criar um cão-guia robótico para o auxílio de deficientes visuais. O "animal" utiliza o Kinect para mapear o ambiente e assim identificar possíveis obstáculos para o seu mestre. Sempre que houver risco, o robô avisa o dono. O cão cibernético tem pequenas rodinhas, dobra as pernas e é capaz de subir escadas.
Arqueologia
Pesquisadores de uma universidade da Califórnia conseguiram transformar o Kinect em ferramenta para mapear sítios arqueológicos. Junto com um sistema chamado de Calit2, o gadget consegue fazer identificação tridimensional do terreno. Isso permite economizar dinheiro, uma vez que substitui um sistema muito caro.
Segurança
A detecção de movimentos do Kinect inspirou empresas de segurança. A Canadense Avigilon, especializada em monitoramento por vídeo, utilizou o acessório para permitir que os usuários interajam com imagens captadas por câmeras de vigilância sem necessidade de mouses ou outros controles. O Kinect é mais barato do que outros sistemas de detecção.