O elevado nível de desemprego ampliou a diferença entre os salários médios dos empregados nos setores público e privado no país. Enquanto estes vêm sofrendo com o corte de vagas formais, aqueles conseguiram obter ganhos reais mesmo em meio à crise.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde que o Brasil entrou oficialmente em recessão, no segundo trimestre de 2014, o rendimento médio do setor privado ficou estagnado, enquanto o do setor público teve ganho real de 10%.
No primeiro trimestre de 2019, o rendimento médio dos empregados no setor público chegou a R$ 3.706, enquanto trabalhadores do setor privado ganharam, em média, R$ 1.960. É a maior diferença desde o início da série da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, em 2012.
Para especialistas, a maior diferença é fruto do aumento da informalidade no mercado de trabalho, que afeta apenas trabalhadores do setor privado, enquanto os trabalhadores do setor público estão protegidos por estabilidade.
— Há uma imunidade em relação ao desemprego e, com maior proximidade com os governos, eles acabam conseguindo, mesmo num mesmo num cenário desfavorável, aumento de rendimento — diz o economista Renan Pieri, da FGV EESP.
Entre 2012 e o primeiro trimestre de 2014 (antes do início da recessão), os rendimentos médios dos empregados nos setores público e privado evoluíram no mesmo ritmo. Com a crise, diz a professora do Ibmec, Vivian Almeida, os trabalhadores do setor privado perderam poder de barganha.
— No setor privado, como há essa situação adversa, com desemprego, as pessoas só querem voltar ao mercado de trabalho. Depois é que elas vão se preocupar com a questão do rendimento — comenta ela.
Responsável no IBGE pela Pnad Contínua, Cimar Azeredo pondera que o rendimento do setor privado vem sendo impactado pela perda do emprego com carteira assinada, que empurra trabalhadores do setor privado para a informalidade, que tem salários menores.
No âmbito de tentar proteger da interferência política o trabalho do funcionário público, a gente criou uma espécie de armadilha, que justifica hoje a dificuldade imensa de fazer o ajuste fiscalo
RENAN PIERI
Economista da FGV EESP
Desde o segundo trimestre de 2014, foram fechados no país 3,8 milhões de postos de trabalho com carteira assinada, queda de 10,3%. Já o número de trabalhadores sem carteira no setor privado cresceu 8,5%, ou 872 mil pessoas.
O número de trabalhadores por conta própria, que vinham sustentando uma melhora do desemprego em 2018, cresceu em 3 milhões no mesmo período, e atingiu no primeiro trimestre de 2019 o maior valor da série histórica em 12 Estados.
— A situação do emprego está tão ruim que, quando a informalidade sobe, a gente chama de recuperação — diz Azeredo.
A diferença entre os salários nas esferas públicas e privadas, ressalta o economista, também pode ser explicada pelo nível de escolaridade mais alto na administração pública. Ele diz que em cargos mais qualificados, a diferença é menor.
Fator adicional de pressão sobre
contas dos governos estaduais
Entre dirigentes e gerentes, por exemplo, 30% dos trabalhadores do setor privado ganham mais do que cinco salários mínimos. No setor público, são 42%. Já entre profissionais de ciências e intelectuais, são 29% e 33%, respectivamente.
Para economistas, o aumento dos rendimentos do setor público é um fator adicional de pressão sobre as contas dos governos em meio à crise de arrecadação.
— Se tenho despesa crescente e arrecadação ou estagnada ou decrescente, a conta não fecha — afirma Almeida, do Ibmec.
Segundo estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), em 2018 cinco Estados — Minas Gerais, Mato Grosso, Tocantins, Roraima e Paraíba — gastaram mais com pessoal do que o teto de 60% da receita previsto em lei.
Outros quatro, embora tenham divulgado gastos com pessoal dentro do limite estabelecido, já declararam calamidade financeira diante de dificuldades para fechar as contas: Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Goiás.
O Rio chegou a parcelar o pagamento de salários por mais de dois anos e só conseguiu quitar todos os atrasados após socorro federal que suspendeu o pagamento de parcelas da dívida com a União.
— No âmbito de tentar proteger da interferência política o trabalho do funcionário público, a gente criou uma espécie de armadilha, que justifica hoje a dificuldade imensa de fazer o ajuste fiscal — analisa Pieri.