Patrícia Lima, Especial
Uma das regras do bom texto jornalístico é evitar os clichês e as frases feitas. No caso desta reportagem, porém, ficou impossível fugir do lugar-comum. Aqui, a expressão já repetida um sem-número de vezes não é vício de roteiro nem recurso pobre de um mau redator. A verdade é: o amor não tem idade mesmo. Prova disso são as pessoas maduras, com 50 anos ou mais, que reencontram a felicidade em par, entregando-se a relacionamentos inesperados e cheios de descobertas. Na fase em que muitos dizem ser o ocaso da vida, eles abrem o coração para namorar, compartilhar e curtir. E assim atestam que o velho clichê é sábio e verdadeiro.
Em 2012, uma pesquisa realizada pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) revelou que 51,5% dos idosos pensam em sexo e 32,3% têm atividade sexual regular. Outro levantamento, feito em 2016 pelo Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo, demonstrou que 66,7% das mulheres brasileiras com mais de 60 anos mantêm uma vida sexual ativa. Em 2008, o mesmo Programa já havia divulgado uma pesquisa segundo a qual 87% dos homens e 51% das mulheres com mais de 61 anos consideram-se sexualmente ativos no Brasil. Basta olhar os dados para perceber que aquelas imagens do vovô que vive para jogar cartas com os netinhos e da vovó que passa os dias assando bolos à espera da família estão ultrapassadas há muito tempo.
Autora do livro A Bela Velhice, a antropóloga Mirian Goldenberg pesquisa o tema há mais de 30 anos. Segundo ela, a percepção de que as pessoas com mais de 50 anos estão mais abertas a novas experiências e relacionamentos é absolutamente verdadeira.
A maturidade traz, especialmente às mulheres, uma liberdade muito maior para escolher o caminho que desejam seguir, permitindo que se abram para conhecer pessoas novas e namorar. Diferentemente das gerações anteriores, as mulheres que chegam agora à casa dos 60 anos estão viajando, namorando, curtindo as amigas, trabalhando e tendo uma vida sexual prazerosa. Para Mirian, a questão agora é ter coragem de assumir os próprios desejos, para vivê-los plenamente:
– Especialmente nas mulheres, ainda existe o medo, a culpa e a vergonha de assumir os seus próprios desejos. E há muito preconceito. O desafio é superar tudo isso.
Amostra desses obstáculos que ainda atormentam muitos casais que voltaram a namorar na maturidade foi a produção desta reportagem. Durante mais de um mês, muitas mulheres e homens foram convidados a contar suas histórias nas páginas da revista Donna. A resposta mais comum foi "posso contar, mas não quero me identificar". Viúvas, divorciadas ou solteiras, essas pessoas não tinham qualquer impedimento legal para assumir publicamente seus romances. Muitas até gostavam da ideia, ficavam empolgadas. A perspectiva de aparecer namorando abertamente diante da sociedade, no entanto, as desencorajou.
– Rótulos, preconceitos e os estigmas da velhice ainda são obstáculos para quem quer redescobrir o namoro a essa altura da vida – completa Mirian.
O preconceito com o envelhecimento vem de todos os lados. Quem está envelhecendo se sabota por não ter mais o corpo ou a pele da juventude. E as pessoas que estão em volta, como a família, também têm dificuldade de ver os pais ou avós vivendo novos relacionamentos.
– Chega um momento em que as pessoas querem namorar, trocar carinho, ter um parceiro, mas não se sentem capazes em função da culpa e do medo do julgamento. Quando conseguem se abrir, percebem que o desejo e a criatividade não envelhecem. É um caminho para uma maturidade mais feliz – comenta Eliane Tonello, psicóloga clínica de adultos maduros, escritora e especialista em psicologia hospitalar.
Com exceção da idade, o relacionamento na maturidade tem as mesmas premissas que qualquer outro consórcio amoroso entre duas pessoas. Compromisso, paixão, responsabilidade, atração, admiração. E tem vantagens. Normalmente vivendo uma fase mais tranquila da vida, com situação profissional definida e filhos já criados, os namorados maduros costumam ter uma convivência leve, desencanada, com mais diversão e menos posse. O uso da tecnologia para promover encontros também está em alta. Aplicativos como Par Perfeito e B2 e até sites de relacionamento exclusivos para terceira idade, como Clube da Maturidade, são cada vez mais procurados por quem deseja voltar a namorar.
– Minha dica para as pessoas é que compreendam o que realmente querem: se estão felizes sozinhas ou se sentem falta de um parceiro. E, a partir daí, sair em busca de um relacionamento, se esse for o seu desejo. Ninguém precisa corresponder às expectativas da sociedade – destaca Carmen Rodrigues, enfermeira e coach para saúde, especialista em idosos.
Do sul ao nordeste
Sozinhos eles são felizes. Juntos, também. Talvez ainda mais. Há um ano, o professor aposentado Vitor Rodrigues, 59 anos, e a consultora de imagem Erica Ostrowski, 56, optaram por compartilhar os sonhos e as rotinas em um relacionamento cheio de bom humor, sem neuras, cobranças ou sentimentos de posse.
Eles se conheceram pela internet, por meio de um aplicativo de encontros. A identificação foi imediata e não demorou muito para que se encontrassem fisicamente, engatando o namoro. Nesse período, Vitor estava realizando o sonho de deixar Viamão, onde possui um sítio, para morar em João Pessoa, na Paraíba, desejo que acalentou durante muito tempo. Em dezembro do ano passado, convidou Erica para compartilhar dessa aventura sempre que pudesse.
– Ele me convidou para fazer parte do sonho dele, e eu aceitei. Foi o passo que demos para um relacionamento por inteiro. É a certeza de que queremos estar juntos – reflete Erica.
Hoje, o casal se divide entre o Rio Grande do Sul e a Paraíba. Para cumprir os compromissos profissionais e também para ficar com a família, Erica tem sua base em Taquara, na casa de uma das filhas. Vitor também volta ao Sul com frequência para rever filhos e familiares, além de supervisionar o sítio. Quando estão por aqui, saem juntos, curtem os dias e as noites, namoram e normalmente voltam cada um para a sua casa. Em João Pessoa, dividem o apartamento que escolheram e decoraram juntos.
Ambos divorciados em seus casamentos, enfrentaram as dificuldades da fase da vida em que é preciso criar as crianças, afirmar-se profissionalmente e manter a estabilidade familiar. Com filhos adultos e aposentadoria – no caso de Vitor – ou situação profissional menos corrida, veio o tempo do autoconhecimento, do equilíbrio e da busca pelos momentos felizes no dia a dia. Veio o encontro que os dois não esperavam, mas que completou a plenitude dessa fase da vida.
– Vejo muitas mulheres idealizando relacionamentos e se boicotando, escondendo a verdade de si mesmas. Acho que a maior vantagem da maturidade é podermos escolher o que queremos sem medo do julgamento ou da rejeição. Eu já era feliz, já era completa. Com o Vitor, eu quero é compartilhar – acrescenta Erica.
Para eles, namorar nessa fase da vida tem sido uma descoberta e, ao mesmo tempo, uma afirmação de que a felicidade é uma escolha, é um caminho que se percorre por opção. Com os "cronômetros zerados depois dos 50", como diz Erica, a única opção é viver com entrega o relacionamento, com a liberdade e a segurança de saber o que se quer – e o que não se quer.
Uma nova perspectiva
Ele a viu pela televisão e não conseguiu mais parar de pensar nela. Se apresentaram pela internet, em posts do Instagram. Depois de conversarem muito por mensagem e por telefone, marcaram um encontro em um café perto da casa dela, em Canoas. Ele veio de São Paulo e chegou ao local uma hora adiantado. Quando a viu entrando, sentiu o coração disparar. O primeiro beijo, trocado ali mesmo, depois de quatro horas de conversa, foi embalado pela música Um Amor Puro, de Djavan. Não houve mais sequer um dia em que os apaixonados não se falassem, mesmo vivendo em cidades distantes. A vida tomava um rumo inesperado para ambos. Um amor puro, que não sabe a força que tem, como diz a canção do casal.
A história carregada de romantismo caberia com perfeição em um roteiro açucarado de Hollywood, estrelado pela jovem atriz do momento. Na vida real, porém, esse amor é protagonizado pela ex-BBB Ieda Wobeto, de 73 anos, que após deixar a casa do Big Brother Brasil entrou de cabeça em uma relação cheia de paixão e surpresas. Sem grilos e com o coração aberto, ela abraçou a reviravolta que o namoro com o advogado Marcelo Gomes, 36, provocou em sua rotina.
– Eu estava satisfeita com a minha vida. Saía com as minhas amigas, me divertia, tinha minha agenda profissional. Mas a chegada do Marcelo me apresentou uma perspectiva nova. Me fez acreditar que valeria a pena. E está valendo – afirma Ieda.
Primeira Miss Canoas, Ieda casou e foi mãe cedo, aos 23 anos. Ela mesma gosta de dizer que passou parte da vida criando filhos, já que o último de seus quatro rebentos nasceu quando ela tinha 43. Depois do divórcio, começou a viver experiências novas e a descobrir a própria individualidade:
– Quando me separei, começou a nascer a Ieda Wobeto. Redescobri minha beleza, passei a ter novos interesses que não somente os filhos e a família, me permiti viver coisas diferentes. Hoje sei quem eu sou, o que eu quero e tenho maturidade e segurança para assumir escolhas.
No último aniversário de Ieda, Marcelo ofereceu à amada uma aliança, de surpresa. Era o símbolo do compromisso e do amor que nasceu naturalmente entre os dois. Ela já vinha passando longos períodos no apartamento dele, em São Paulo, e na época desta entrevista estava praticamente de malas prontas para viver na capital paulista definitivamente.
– Ieda fez de mim uma pessoa melhor, colocou o amor na minha vida de forma arrebatadora. Estou apaixonado – derrete-se Marcelo.
Em função de sua participação no Big Brother Brasil, Ieda ganhou uma legião de fãs com quem interage pelas redes sociais. Muita gente pede conselhos e faz desabafos, especialmente direcionados às mulheres mais maduras. Em resposta, ela procura replicar a mensagem que deixou ao participar do programa:
– Sempre digo para as pessoas seguirem seu coração e viverem o momento. Não percam a oportunidade de serem felizes, deixem de lado os julgamentos ou o olhar torto da família e até dos filhos. Não adianta esperar. A nossa hora é agora.
O tempo é agora
O cenário era um bar em São Leopoldo. O rock embalava a noite. A educadora Marilene Wichmann, de 56 anos, estava ali com as amigas para curtir o aniversário de uma delas. O assistente comercial Carlos Cantarelli, de 57, havia saído apenas para tomar um chope gelado e ouvir uma boa música. Até que seus olhares se cruzaram na confusão de luzes indiretas e música alta. Dez anos passados daquela noite, os dois permanecem juntos, curtindo um namoro que, segundo eles, só melhora com o tempo.
– Sei que não temos mais uns 50 anos pela frente. Então, temos que fazer do nosso tempo juntos o melhor possível sempre. Essa relação tem que ser muito boa, por que não temos mais todo o tempo do mundo – reflete Marilene.
– Quando penso no futuro, sempre nos vejo juntos, aproveitando a vida e sendo felizes. Sem complicações – completa Carlos.
Viúva aos 29 anos e com duas filhas pequenas para criar, Lene dedicou boa parte da vida à família, com pouco tempo para cultivar outros relacionamentos. Já Carlos enfrentou um divórcio depois de 24 anos de casamento. Quando se viu solteiro, os filhos já estavam adultos. O encontro dos dois obedeceu a uma profecia feita por Marilene às amigas naquela noite.
– Eu disse que ia arranjar um namorado naquela festa. E arranjei (risos). Me divertia muito sozinha, era feliz. Mas naquele momento senti falta de um parceiro. E apareceu o Carlinhos – relembra.
A individualidade é um aspecto valorizado pelo casal. Tanto que, mesmo depois de tantos anos, os dois permanecem morando em suas casas, ela em Taquara, ele em São Leopoldo. A rotina de trabalho de ambos permite que se encontrem aos finais de semana e nas férias. A serenidade, segundo eles, permite que a relação ocorra com mais liberdade – tudo dentro dos limites estabelecidos pelos dois. Maturidade e segurança permitem que o formato de namoro seja desfrutado em seu melhor, sem cobranças ou pressões. Quando se é jovem, de acordo com Lene, é mais difícil analisar as situações, impor limites e saber o que se pode e o que não se pode tolerar.
– Essa é uma das vantagens da maturidade, especialmente nos relacionamentos. Hoje sabemos que uma relação perfeita não existe.
E tudo bem. Temos segurança para fazer escolhas, para abrir mão de coisas em nome do outro. E também para estabelecer o que ultrapassa os nossos limites – destaca Lene.
– Nessa fase também entendemos o valor da parceria. Nós dois somos parceiros para tudo: passear, ir a uma festa ou ficar em casa, tudo o que fazemos juntos é simples e bom. Sem as complicações que, às vezes, quando somos mais novos, enfrentamos. Vale a pena viver um amor assim – completa Carlos.