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Lembro das risadas que Ney Latorraca provocava em novelas que iam ao ar logo após o telejornal onde Gloria Maria exibia suas primeiras reportagens. Nos intervalos, os bordões criados pela equipe de Washington Olivetto nos induziam a escolher determinada marca de geladeira ou de lingerie, e depois, tevê desligada, era a hora de escutar Gal Costa ou bailar com Rita Lee, mulheres modernas que também devem ter lido as crônicas, contos e poemas de Marina Colasanti, que abriu tantas portas para nós.
É um baque chegar nesta fase da vida sabendo que amanhã ou depois virá a notícia de mais uma baixa entre aqueles que fizeram parte da nossa história. Estão nos deixando, um a um. Eles adoecem, eles envelhecem – assim como nós. Perdê-los é perder-se também.
O paradoxo é que, mesmo abalados por esta “renovação de estoque” (assim Millôr Fernandes designava o processo de nascimento e morte), ainda assim, só temos a celebrar. Tivemos a honra de sermos todos contemporâneos. Cada época tem seus ícones, e minha geração foi bem sortuda com o elenco que lhe coube. Que tipo de existência teríamos sem os craques da Tropicália e do Asdrúbal, sem Domingos Oliveira, sem Antonio Cícero? Os dias se tornam inúteis se não escutamos uma canção ou lemos um poema de algum mortal que ajuda a nos formatar.
Quem primeiro me alcançou um livro de Marina Colasanti foi minha mãe, eu tinha 20 anos, e a partir daí Marina também assumiu, para mim, um papel maternal. Ambas – mãe em contato direto e escritora em contato indireto – foram os faróis que me conduziram na vida: Martha, é por aqui.
Hoje sei que de nada vale o empenho diário – trabalhar, sobreviver, cuidar dos outros, cuidar de si, sofrer, resistir – se não formos compensados por momentos de plenitude, em que nos conectamos com as ideias e os sentimentos de estranhos que iniciam um diálogo secreto conosco e fazem nossa consciência se expandir.
Às vezes, quando fico sem ânimo com o rumo que o mundo está tomando, me pergunto por que estou mofando dentro de um apartamento, cumprindo horários e compromissos repetitivos a fim de manter a ordem social, em vez de viver de forma mais lúdica, em simbiose com a natureza, livre das agendas e das expectativas dos outros?
Não há resposta certa, todo cotidiano é imperfeito: nenhuma maneira de existir atende 100% às nossas necessidades. Então passamos a vida tentando nos adequar, até que chega o dia em que o esforço não é mais preciso. Fim.
Em que tudo isso vai dar, afinal? Em nada. Somos seres domesticados que cumprem o script universal e que precisam desesperadamente de transcendência, portanto, saudemos os talentos multiculturais que nos salvam da brutalidade e da tacanhice. Longa vida àqueles que ainda vivem para nos inspirar.