Gravar áudios por WhatsApp virou um hábito tão demonizado que criaram um dispositivo para dobrar sua velocidade. Quem grava se esforça para se expressar com clareza, enquanto quem escuta ignora a dedicação e dispara o acelerador: vamos lá, não tenho o dia todo.
Ser chique é ser civilizado, nos ensinou Gloria Kalil. Eu nunca acelero áudios. Escuto no tempo regular e com um prazer quase sexual. Tenho fetiche em voz. Dois minutos, três minutos, acho pouco, é uma rapidinha. Quero mais. Aproveite-se de mim – só não esqueça que, para chatices, a tolerância é de 30 segundos.
Tenho um defeito grave que já foi pior, hoje está mais controlado: a ansiedade, às vezes, me faz interromper a fala do outro, ainda mais quando ele é lento e as palavras lhe fogem com frequência irritante. Ele fica ali tentando encontrar um determinado verbo e, quando dou por mim, já estou completando a frase dele. Mesmo que eu acerte a palavra que ele buscava, não é uma atitude elegante. Não é bonito.
Pois os áudios me livraram deste constrangimento. Calada, escuto até o fim. Com interesse. Sem chance de interromper. Se a pessoa não encontra o verbo que deseja, aguardo. Que alegria quando, depois de hesitar, ela diz exatamente o que eu sabia que ela ia dizer. Sem eu ter me intrometido. Gloria Kalil, é o triunfo da civilidade, não é? Temos que treinar para agir assim presencialmente, eu sei. Pois é disso que se trata: áudio é treino, jogo é jogo.
Tenho duas grandes amigas que devem estar às gargalhadas lendo este texto. Shayla mora em Londres e conhece mais da minha vida do que as amigas locais. Na impossibilidade de ela e eu sairmos juntas, a gente se “encontra” em áudios de nove minutos, quando são curtos. Geralmente extrapolam os 14, 16 – é uma palestra TED exclusiva, recheada de intimidades e filosofices. Eu deveria pagar consulta à Shayla, tanto que ela me ilumina e diverte ao mesmo tempo. Resta eu recompensá-la enviando um áudio ainda maior, e assim, competindo pela palestra mais longa, a gente nutre essa relação que, sério, daria um livro muito bom se transcrita.
O mesmo acontece com a Marcia, que mora em Lausanne, dona de uma voz que me faz duvidar se sou hétero mesmo: tonteio, de tão sexy. E o que essa voz diz é ainda mais apaixonante. Minha teoria: áudios de WhatsApp revelam verdades de confessionário.
A pessoa fala, antes de tudo, consigo mesma, inspirada pelo silêncio, já que o outro só vai escutá-la depois que terminar sua aula de ginástica ou o que estiver fazendo.
Quanto aos áudios profissionais, também não costumo acelerar, desde que não abusem. Caso você não seja a Shayla ou a Marcia, não tiver intimidade comigo e o assunto não for do meu interesse, 30 segundos, ou adeus, civilidade.