Quando recebemos Édson Yamashita em Porto Alegre, em novembro de 2024, para dois jantares especiais na Zona Sul, o entrevistamos para saber sobre a história do seu restaurante de duas estrelas Michelin. Era sua primeira vez na Capital. Ficou encantado com a gastronomia gaúcha.
Entre uma de suas muitas retóricas, nos perguntou se existiam restaurantes com “omakase” por aqui. O sistema, que o fez ser reconhecido pelo guia e que ele se considera pioneiro em São Paulo, é o de, segundo a própria tradução da palavra japonesa, “confiar no chef”.
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Eu, adepta do investimento em experiências gastronômicas, disse que não conhecia nenhuma casa com esse serviço na cidade, mas que, logo ali, em Canoas, o Kampeki, meu restaurante preferido da vida, já trabalhava dessa forma há pelo menos um ano. Ele disse, então, que uma metrópole tão rica de insumos e ingredientes regionais e reduto de lugares tão tradicionais merecia um para chamar de seu. Concordei.
À beira de uma de suas maiores riquezas, Porto Alegre ganhou um omakase há pouco tempo. No terceiro andar do Pontal Shopping, o Daikô Sen, do grupo de mesmo nome, encontrou em um espaço de poucos metros quadrados, seis cadeiras confortáveis, um refrigerador preenchido de lombos de atum partidos ao meio, um chef e uma vista para o Guaíba, o reduto para apresentar os melhores pescados do dia em uma sequência exclusiva, inesquecível e perspicaz. Daquelas de transformar as cadeiras em divãs, os ambientes em ágoras, onde meras degustadoras se tornam grandes filósofas da gastronomia brasileira e qualquer quinta- feira comum em um dia marcado para sempre no calendário.
Muito além do servir
Se o currículo do chef Luca de Lima fosse público, seria disputadíssimo. De Jun Sakamoto a Kampeki, ele traz para a novidade anos de vivência, estudo e prática. Sobretudo, uma criatividade bonita de acompanhar. Então, aqui vai uma dica: se você espera um encontro sem qualquer tipo de troca, opte pelas mesas do salão principal. Agora, se você busca depositar sua total confiança em alguém que vai lhe servir algas, ovas de peixe, ostras do paraíso, vieiras canadenses e wagyu do mar, entre na portinha discreta do lado da cozinha aberta.
No caminho dos 15 passos do menu degustação (R$ 420), o chef conta o que, porquê e de onde vem tudo que ele serve. E vai além: explica minuciosamente a diferença entre as partes do atum bluefin, a origem das ostras, a inspiração por trás do menu e por aí vai. Não dá para sentir o tempo passar. É como se o rio se tornasse um coadjuvante de uma festa no paladar, em que nem dentes são necessários, já que as vieiras e o otoro, a parte mais gordurosa e saborosa do atum, se desmancham. É até difícil explicar a sensação na boca, mas, se preciso fosse, diria que é como se tudo e nada estivessem dançando abraçados.
Brincando com o paladar
A provocação era bem clara: brincar com texturas, sabores, cheiros e sensações. O chef começou nos servindo uma saladinha de algas. De primeira, foi um punch na boca. Depois, o gosto, a textura e a temperatura fizeram sentido. Em seguida, provamos a primeira ostra da noite, com salsa criola e caviar. O frescor era indiscutível. Eu, que sempre fui muito relutante com elas, fiquei muito tranquila em provar. Primeiro, porque o Luca fez questão de esclarecer que elas vinham do Paraíso das Ostras, uma fazenda marinha de Florianópolis, em Santa Catarina. Segundo, porque a harmonização com uma taça de espumante brut da vinícola Torcello, do Vale dos Vinhedos, foi impecável.
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O próximo passo foi apresentado com beleza e magnitude. As peças de sashimi eram tão grandes quanto frescas. O gelo seco e a cerâmica apoiavam cortes distintos de peixes e frutos do mar: salmão, barriga de salmão com raspas de limão siciliano, peixe branco, atum bluefin — o akami, com uma cor mais intensa, parte mais magra; o chutoro, parte intermediária, com percentual de gordura maior; e otoro, parte mais clara e gordurosa do atum, que derrete na boca — e a ostra canadense em tiras.
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É o melhor jeito de dar seguimento em uma noite única como a que vivemos. Mas não parou por aí. Recebemos também nossos pedidos de drinks, todos eles autorais e com assinatura do mixologista Tom Oliveira. O Hanami (R$ 39) é frutado e refrescante, com um toque herbal. Leva vodca, licor bizantino, espumante artesanal de frutas vermelhas da estação e hortelã. Já o Mori ( R$ 48), apesar de entregar o mesmo perfil de sabor, leva whisky, licor de yuzu e soda de wasabi com shissô. No mínimo inusitado.
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Quente, frio
Partimos para uma etapa de contrastes. Das águas geladas do Pacífico, o King Crab é um caranguejo gigante de carne branca e muito macia. A iguaria super- rara em solo brasileiro foi servida em um tempurá bem sequinho, com aioli. Era leve e cremoso, ainda que tivesse um toque de crocância pela fritura. Na sequência, voltamos a um prato frio: um tartar de otoro com caviar, lascas de King Crab e trufa negra italiana, também conhecida como Tartufo Nero Invernale. Acompanhavam as patacones – prato de banana verde frita, tradicional dos países latinos. Com texturas muito interessantes, era bem saboroso.
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Fomos para os mais esperados — pelo menos para mim — os niguiris. O primeiro era de dourado com ikura, as ovas de salmão.
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O segundo, de salmão com lasca de trufa negra e raspinhas de limão siciliano.
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Os de vieira canadense com manteiga de foie gras selado na brasa, de akami com caviar, de chutoro com flor de sal e de otoro com ovas vieram em sucessão.
O caminho seguia uma ordem crescente de intensidade e de sabores, sem nenhum prejuízo com os outros pratos. Infelizmente — e digo isso com pesar no coração mesmo —, o jantar se aproximava do fim. Não sem antes nos reservar algumas boas surpresas.
Não é novidade, e eu já mencionei lá no início, que a criatividade do Luca é uma potência. Além de trabalhar com os melhores e mais exóticos frutos do mar, ele traz para o omakase a cultura gaúcha por meio da brasa. Por isso, na montanha-russa das temperaturas, voltamos ao fogo de maneira sublime com a ostra gratinada e o surf and turf, que combinava mar e terra em uma robata – o espetinho japonês – de camarão e wagyu A3 feita no fogo.
Passou pela brasa também aquele que foi o destaque da noite não só por seu sabor, mas também por sua excentricidade. A costela de atum era assada e servida com salsa criola e chimichurri. Nem se eu fizesse um esforço muito grande, imaginaria que um restaurante de culinária japonesa nos levaria a provar um churrasco de peixe de tal forma. A carne desfiava do osso e combinava sem qualquer hesitação com os molhos e condimentos comumente associados ao nosso assado.
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Primavera japonesa
Estávamos muito satisfeitas, inclusive a Anahís, alérgica a frutos do mar, que pediu um yakisoba (R$ 61). Bem servido, o preparo levava iscas de carne bem macias, além de cenoura, repolho roxo, pimentões, couve-flor e brócolis.
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Para a sobremesa, a casa levou a primavera japonesa e seu festival de cores para o doce, transformando as cerejeiras em uma arte comestível e deliciosa. A base crocante recebia uma esfera de chocolate branco tingida de verde, recheada com mousse e compota de cereja. Um raminho de chocolate fazia referência aos galhos das árvores, e os crocantes de açúcar lembravam as flores que dão cor e vida ao Japão em plena estação.
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Não quero parecer descomedida ou exagerada, mas quem vive uma experiência gastronômica como essa, sabe que ela pode alterar a forma como nos relacionamos com a comida, com os momentos, com os reencontros — Luca era chef do Kampeki —, com a vida.
E eu me senti assim: maravilhada com a novidade, feliz de saber que o desejo do Yamashita estava concretizado e orgulhosa de Porto Alegre ter um omakase para chamar de seu — e de meu também, já que virou um dos meus lugares preferidos da cidade.
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Daikô Sen
Av. Padre Cacique, 2.893, no bairro Cristal
De segunda a sexta, das 11h30min às 15h e das 17h30min às 22h30min.
Aos sábados e domingos, das 11h30min às 22h30min
@daikosen