Ritmo de origem afro-uruguaia, o rufar dos tambores do candombe tem sido cada vez mais escutado e visto em espaços públicos da capital gaúcha. Inclusive, no dia 3 de dezembro, comemora-se o Dia do Candombe em Porto Alegre. Na mesma data, também se celebra o Dia Nacional do Candombe, da Cultura Afro-uruguaia e da Igualdade Racial no Uruguai.
Com raízes bantu, o candombe foi trazido à América do Sul pelos diversos povos africanos escravizados pelos colonizadores espanhóis. Sendo um termo em quimbundo, uma das línguas faladas em Angola, na costa ocidental da África, a expressão originalmente se referia a qualquer tipo de dança praticada pela população escravizada. Posteriormente, passou a ser usada para designar um ritmo específico.
A execução do candombe geralmente ocorre pela integração de três tipos distintos de tambores – tambor piano, chico e repique. Em conjunto, são denominados como cuerda. Para os brasileiros, o candombe seria algo semelhante ao maracatu — manifestação típica do folclore do país, com música, dança e outros elementos, de origem africana e surgida em meados do século 18, em Pernambuco.
Atualmente, Porto Alegre conta com três grupos ativos praticantes de candombe – Tambor Tambora, La Brasa Lunera e Candombe das Gurias. Conheça um pouco da história de cada um deles a seguir.
Tambor Tambora
O grupo surgiu na Capital em setembro de 2019, inspirado pelo coletivo existente em Bagé – Grillos Candomberos, fundado em 2015. A partir de fevereiro de 2020, os toques começaram a ser feitos na Associação Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo, localizada no bairro Cristal.
O candombe é uma manifestação cultural que envolve ritmo, música de tambores, dança e a expressão na saída de uma comparsa, que são os grupos mais organizados e maiores.
GABRIEL CASTRO
La Brasa Lunera
Com a pandemia de covid-19, os encontros precisaram ser interrompidos. Quando o cenário melhorou, o grupo voltou a tocar nas ruas, com ensaios no entorno da Ponte de Pedra, no Largo dos Açorianos, e na Praça Marquesa de Sevigné.
Atualmente, os toques se concentram num trajeto que parte da esquina da Rua da República com a João Alfredo até a Travessa dos Venezianos. Cerca de 13 pessoas costumam participar de forma regular. Os encontros ocorrem às 19h30min nas quintas-feiras.
O servidor público Marcelo Sikinowski Silveira, 40 anos, um dos integrantes do coletivo, compartilha que, desde os anos 1980 e 1990, a comunidade uruguaia da Capital se manifesta por meio do candombe.
Ele cita nomes como Washington Gularte, que escreveu o livro El Candombe sobre o ritmo e ainda trouxe pessoas para tocar em Porto Alegre; além de Alejandro Mario Villano Muñoz (leia mais abaixo), que constrói tambores e criou, quando morava na Capital, um grupo mais fechado e com poucas pessoas para manter a expressão cultural viva.
— Ainda que o candombe que a gente faça aqui em Porto Alegre seja a partir do feito em Montevidéu, existem registros históricos de formas distintas de candombe no território gaúcho, inclusive na Porto Alegre do século 19. O Candombe da Mãe Rita (que ficava nas imediações da atual Rua Avaí), por exemplo. Existe uma discussão se era batuque ou candombe. Tem pesquisadores que defendem que era uma forma extinta de candombe. Não era simplesmente o batuque que foi registrado depois — contextualiza Silveira.
Ele relata que conheceu o candombe em Montevidéu, tendo comprado dois tambores em 2017:
— A ideia de fazer candombe em Porto Alegre me pareceu uma forma de lançar luz sobre a existência de uma cultura. Ainda que ela não seja nativa da Capital. Me pareceu também uma forma de usar essa geografia para instigar curiosidade e ação em torno de traços característicos das manifestações culturais de matriz africana, nascidas e desenvolvidas aqui no Estado — detalha.
Silveira também comenta sobre quem são os adeptos do candombe em Porto Alegre:
— No Uruguai, os mais antigos dizem que "candombe não se ensina, candombe se aprende." Está muito relacionado ao interesse de quem quer chegar, compartilhar e tem uma curiosidade e ligação forte com a cultura de nossos vizinhos da América Latina. Geralmente, as pessoas interessadas são essas.
O músico e produtor musical Guilherme Ceron, de 41 anos, comenta que em quase todos os lugares do mundo o candombe é praticado por uruguaios, enquanto na Capital, os porto-alegrenses são a maioria.
— O candombe também é sobre o encontro do dia — menciona o integrante do Tambor Tambora.
La Brasa Lunera
Criado em 2022, os primeiros encontros eram realizados no Recanto Africano do Parque Farroupilha (Redenção) e, hoje, o grupo se reúne em locais como a Rua Washington Luiz, em frente à Escola de Administração UFRGS. Com 37 integrantes, as apresentações geralmente ocorrem no final das tardes de domingo.
As mulheres tiveram que atravessar as intersecções do machismo para poder tocar um tambor.
SABRINA SILVA COLLINS
Candombe das Gurias
Praticante do candombe e integrante do La Brasa Lunera, o garçom e professor de música Gabriel Castro, de 27 anos, compartilha o significado desse ritmo:
— O candombe é uma manifestação cultural que envolve ritmo, música de tambores, dança e expressão na saída de uma comparsa, que são os grupos mais organizados e maiores.
Castro explica que as reuniões dos tambores em Montevidéu, no Uruguai, eram realizadas em casas de pensão e cortiços, com a presença, sobretudo, dos negros. No entanto, os brancos que também tocavam tambor se juntavam para expandir essa cultura:
— Nesse momento, passa a ser comparsa e deixa de ser religioso, sempre indo para o lado do festejo, do Carnaval, apesar de ter um contexto espiritual muito forte.
O candombe não é composto apenas por tambores. Conta com personagens como Mama Vieja, a matrona dessa manifestação cultural e companheira do Gramillero, espécie de curandeiro e bruxo. Além disso, há vedetes, bandeiras, estandartes, bastoneiros, entre outros elementos.
— O candombe, para nós, seria como o cortejo de maracatu. A reunião dos tambores que antigamente aconteciam em datas específicas, mas que hoje ocorre semanalmente tanto no Uruguai, na Argentina como em Porto Alegre — ilustra Castro.
Candombe das Gurias
Integrante do Candombe das Gurias, a uruguaia Sabrina Silva Collins, de 34 anos, contou que o grupo começou em 2023, ressaltando a presença recente das mulheres entre os tambores:
— A mulher, dentro do tambor, é algo recente e ainda precisa muito acontecer. No Uruguai, há muitos desses movimentos de mulheres dissidentes (dos demais grupos). Justamente por reconhecer que não é um espaço tão democrático dentro das comparsas ditas mistas.
O Candombe das Gurias não tem um lugar específico para os ensaios, mas os encontros têm sido realizados na Ponte de Pedra (Avenida Borges de Medeiros, s/n), nas quintas-feiras, às 19h. O horário pode variar de acordo com a agenda das participantes, que contém, pelo menos, 38 mulheres.
— O Candombe das Gurias tem ocupado muito esse espaço de luta, principalmente nas manifestações e comemorações da Casa Mirabal (referência no abrigamento de mulheres vítimas de violência). Também no Dia da Mulher, nas manifestações políticas e relacionadas ao aborto — enumera Sabrina.
Para ela, o candombe foi, durante muito tempo, estigmatizado e repreendido pela sociedade, mas, no Uruguai, o Carnaval conhecido era conduzido pelo candombe.
— No Uruguai, ele é reconhecido como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco. Isso diz que muitas pessoas tiveram que lutar para hoje a gente poder estar carregando um tambor. É uma responsabilidade muito grande — pondera.
A barreira do machismo é citada pela uruguaia como outro desafio:
— As mulheres tiveram que atravessar as intersecções do machismo para poder tocar um tambor.
A tradição relacionada a essa cultura é outro ponto de reflexão.
— O candombe por ser um ritmo de matriz afro, que se transmite principalmente pela oralidade que, às vezes, abre margem para distorções. Se a gente se propõe a fazer o candombe aqui, que se faça a partir do respeito e de beber da fonte. Não que não possa ter modificações, mas tem uma base que precisa ser respeitada — opina.
Produção uruguaia para praticantes gaúchos
O uruguaio Alejandro Mario Villano Muñoz, de 55 anos, produz instrumentos musicais de percussão, entre eles, os tambores de candombe, que são sua grande paixão. Atualmente, vive em Montevidéu, mas já morou em Porto Alegre entre 2002 e 2008 e, inclusive, tem um filho gaúcho.
— Os instrumentos que mais faço são os tambores de candombe. O chico, que é o menor e o mais alto; o repique, de tamanho médio e também agudo, mas menos que o pequeno; e o piano, maior e com uma voz grave — explica, pontuando as diferenças entre os três.
Aos 17 anos, Muñoz começou a praticar candombe. Porém, desde sua infância já tinha algum tipo de contato com o ritmo afro-uruguaio:
— Aos domingos, meu pai, às vezes, tocava um pouco na mesa e sempre cantava a mesma música que lembro do refrão: "Ritmo tambor, tambor e flores".
O pai de Muñoz era carpinteiro e possuía uma pequena oficina nos fundos da casa. No local também havia ferramentas para consertar tambores de candombe. Aos poucos, o filho foi se aventurando a fazer alguns reparos e a trocar as peles dos instrumentos que estavam lá para serem consertados.
Candombe não se ensina, candombe se aprende.
MARCELO SIKINOWSKI SILVEIRA
Servidor público
A rotina dele seguiu dessa maneira até fevereiro de 2000, quando deixou a oficina. Em 2001, começou, efetivamente, a construir tambores de candombe. Segundo estima, já produziu cerca de 25 peças para pessoas interessadas na prática na Capital.
A fabricação depende de uma série de fatores, como corte, dobra, secagem, montagem e polimento. No verão, um tambor pode ficar pronto entre 30 e 40 dias, dependendo da secagem.
— Faço os tambores da maneira tradicional. Entorto as ripas de madeira ao invés de cortá-las em curva. Elas são cortadas retas e depois dobradas. Após dobradas e secas, o tambor é montado. É assim que referências como Juan Velorio e Alfredo Pocho Guillern sempre fizeram, também Lobo Nuñez, referência da cultura afro-uruguaia que ainda está entre nós — conclui.