![VALERIE MACON / AFP VALERIE MACON / AFP](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/6/2/8/9/1/9/4_b79198a030c6dc8/4919826_574e4192a4e5e66.jpg?w=700)
Anora, de Sean Baker, ganhou dois importantes prêmios prévios do Oscar no último sábado (8): o de melhor filme no PGA Awards, concedido pela Associação dos Produtores dos EUA, e o de melhor direção no DGA Awards, do Sindicato dos Diretores. O título também venceu, na sexta-feira (7), o Critics Choice, organizado por críticos de internet, rádio e TV estadunidenses e canadenses. Mas o complexo sistema de votação na principal categoria da premiação da Academia de Hollywood não permite garantir seu triunfo na cerimônia marcada para o dia 2 de março.
A votação final da 97ª edição do Oscar começa nesta terça-feira (11) e termina no dia 18. Até essa data, os 9.905 membros da Academia aptos a votar devem eleger os vencedores nas 23 categorias.
Esse colégio eleitoral reúne artistas e técnicos de praticamente todas as áreas da indústria cinematográfica. A maior "bancada" é a dos atores, com 12,7% do total. Para fazer parte da Academia, um caminho é ter sido concorrente ao Oscar, o que gera um convite automático. Outro é ser indicado por dois profissionais que já são membros e na mesma categoria do candidato — ou seja, um diretor deve ser convidado por outros dois diretores. Depois, ocorrem avaliações internas para homologar a entrada.
![Valerie Macon / AFP Valerie Macon / AFP](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/0/9/2/0/4/1/5_f3f1519a108c8f8/5140290_a3164cc2d3cd7b4.jpg?w=700)
Os eleitores da Academia podem votar em todas as categorias. O processo de escolha dos ganhadores é absolutamente simples em 22 categorias: o competidor que tiver mais votos vence.
No prêmio de melhor filme, a coisa é mais complicada. Não à toa, é necessária a auditoria da PriceWaterhouseCoopers (PwC).
A eleição do Oscar de melhor filme se dá pelo chamado voto preferencial. Na cédula de votação, os membros da Academia de Hollywood precisam elencar os 10 concorrentes em ordem decrescente de preferência, do primeiro ao último.
Se na primeira rodada de apuração um filme estiver como primeiro colocado em 50% dos votos mais um, é automaticamente declarado vencedor. Mas isso é extremamente improvável, considerando o número de indicados e o número de votantes.
Então, ocorre uma segunda rodada de apuração, na qual o filme que apareceu menos vezes como primeiro lugar é descartado, e seus votos passam para o segundo título preferido na cédula de seus eleitores. O processo é repetido até que um dos candidatos obtenha mais de 50% dos votos.
Filmes amados por uns e odiados por outros podem ser classificados em primeiro em algumas listas e em último em outras. Sendo assim, há grandes chances de que o Oscar vá para um título que não foi apontado como o melhor pela maioria dos integrantes da Academia. Um concorrente que apareceu bastante em segundo, terceiro, talvez até quarto ou quinto lugar. Impera o gosto médio. Raramente a ousadia — temática, formal, política, sexual etc —, a experimentação, o desafio ao espectador e ao convencional vão ganhar, porque a ousadia, a experimentação e o desafio são polarizadores.
Vence normalmente o que for mais palatável. Um filme que era o favorito absoluto de 30% dos votantes, mas despertou o ódio dos outros 70%, perde para um título que foi a segunda ou terceira opção de 80% dos eleitores. Isso ajuda a explicar conquistas como as de O Discurso do Rei, em 2011, Green Book, em 2019, e No Ritmo do Coração, em 2022. E isso ajuda a achar difícil, em 2025, o triunfo de Emilia Pérez, cravejado de polêmicas e alvo de um clube do ódio, ou de A Substância, representante de um gênero, o terror, tradicionalmente menosprezado no Oscar e filiado ao chamado body horror, que provoca desconforto, choque e até nojo.
Quais as chances de "Ainda Estou Aqui" no Oscar
![Alile Dara Onawale / Divulgação Alile Dara Onawale / Divulgação](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/6/5/0/1/6/0/5_99e5d601698dfc2/5061056_3ec23def0c003ec.jpg?w=700)
Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, concorre a três prêmios no Oscar: melhor filme, melhor atriz e melhor longa internacional, representando o Brasil.
É nessa última categoria que estão as maiores chances de trazer uma tão sonhada estatueta dourada. A implosão do favoritismo de Emilia Pérez, o líder de indicações (13 no total), abriu caminho para o filme brasileiro, que já aparece como favorito nas apostas da centenária revista Variety e do site Gold Derby, especializado em prever o resultado das premiações hollywoodianas. Mas o musical francês, que derrotou Ainda Estou Aqui em dois troféus da crítica (o Globo de Ouro e o Critics Choice), segue à frente na lista da Hollywood Reporter. Completam a relação de candidatos a solar animação Flow: À Deriva (Letônia), o pesadíssimo drama A Garota da Agulha (Dinamarca) e o maravilhoso e contundente A Semente do Fruto Sagrado (que foi dirigido por um iraniano, foi filmado em Teerã e é falado em persa, mas representa a Alemanha).
Um dos trunfos de Ainda Estou Aqui é a sobriedade. O diretor Walter Salles evita o dramalhão ou a exploração sádica da tortura, enquanto Fernanda Torres abraça a contenção, equilibrando estoicismo e esperança no papel de Eunice Paiva, que, após o desaparecimento do marido nos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, precisa se reinventar e traçar um novo destino para si e seus cinco filhos. Em um momento de preocupação global com a ascensão de líderes de extrema direita e com tendências ditatoriais, o filme brasileiro reafirma a importância de nunca esquecer as vítimas e os crimes cometidos pelas ditaduras e alerta sobre o impacto devastador da violência do Estado sobre a sociedade. Esse tema também está presente em A Semente do Fruto Sagrado, mas a campanha do filme não teve força para conquistar vaga em outra categoria, o que pode ter reduzido o interesse dos eleitores da Academia de Hollywood.
![Alile Dara Onawale / Divulgação Alile Dara Onawale / Divulgação](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/4/5/0/1/6/0/5_2470846f1ffc9ee/5061054_2315ae3de63a459.jpg?w=700)
No Oscar de melhor atriz, Fernanda Torres chega credenciada pelo Globo de Ouro em filme de drama e pelo Satellite Awards da mesma categoria. Aliás, é a única das cinco candidatas que concorre por um filme definido como dramático nessas premiações prévias.
Há também fatores afetivos que pesam positivamente. Além de esbanjar carisma nas premiações e nos programas de TV dos quais participou, Torres tem uma história pessoal bastante atraente: sua mãe, Fernanda Montenegro, disputou o mesmo prêmio por Central do Brasil (1998), mas acabou derrotada por Gwyneth Paltrow, de Shakespeare Apaixonado, em uma das escolhas mais controversas da Academia de Hollywood (entre as rivais, também havia Cate Blanchett, esplendorosa em Elizabeth). Pode ser a oportunidade de uma justiça poética.
O problema para Fernanda Torres é que Demi Moore vem pavimentando sua jornada para uma vitória inédita — e na sua primeira indicação.
![Christine Tamalet / Divulgação Christine Tamalet / Divulgação](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/6/7/4/0/4/1/5_1bfda3dd5cccd55/5140476_48b589524594ac3.jpg?w=700)
Por A Substância, Moore, 62 anos, já venceu o Globo de Ouro de atriz em comédia ou musical, o Satellite Awards da mesma categoria e o Critics Choice. E ela compete em duas premiações que não indicaram a brasileira: o Bafta, da Academia Britânica, no dia 16 de fevereiro, e o SAG Awards, do Sindicato dos Atores dos EUA, em 23 de fevereiro. Essas duas entidades também têm muitos votantes no Oscar. A "narrativa" em torno de Moore é poderosa: sua personagem no filme da diretora francesa Coralie Fargeat espelha a trajetória da própria atriz, que, à medida que a idade avançou, perdeu espaço em Hollywood. Um sentimento de culpa pode pesar na cabeça dos integrantes da Academia, que adoram a oportunidade de consagrar uma volta por cima.
Completam o time de rivais Karla Sofía Gascón (Emilia Pérez), a primeira trans indicada ao Oscar de melhor atriz, mas carta fora do baralho por causa dos posts com teor racista e xenofóbico que vieram à tona; Mikey Madison (Anora), um talento em ascensão (tem 25 anos); e Cynthia Erivo (Wicked), a única artista negra da lista — vale lembrar o histórico de queixas contra a falta de reconhecimento das atrizes afro-americanas no Oscar: até hoje, apenas uma, Halle Berry, por A Última Ceia, venceu na categoria. Isso já faz 23 anos.
No Oscar de melhor filme, Ainda Estou Aqui corre por fora. Bem por fora.
![Alile Dara Onawale / Divulgação Alile Dara Onawale / Divulgação](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/9/5/0/1/6/0/5_bed22453c4bceee/5061059_ffae5f2f8fdf8c0.jpg?w=700)
Tem a seu favor o fato de não ser um título polarizador (ou seja, pode se beneficiar do sistema de votação); a presença constante nas premiações (o que garante visibilidade); e os fartos elogios da imprensa dos EUA (o que empresta prestígio). Mas isso tudo pode ser dito de vários rivais de Ainda Estou Aqui, como Anora, O Brutalista, Um Completo Desconhecido e Conclave, todos com mais indicações no total e com uma vantagem crucial: são falados na "língua oficial" do Oscar. Na quase centenária história do troféu, somente duas vezes a Academia de Hollywood entregou seu principal prêmio para um filme que não tivesse seus diálogos predominantemente em inglês: em 2012, para o francês O Artista (2011), que era mudo, e em 2020, para o fenômeno sul-coreano Parasita (2019).
* Colaborou Maria Clara Centeno
É assinante mas ainda não recebe minha carta semanal exclusiva? Clique aqui e se inscreva na newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano