Sancionado pelo governador Eduardo Leite no dia 31 de janeiro, o Projeto de Lei 184/2017 introduz a classificação indicativa em exposições, amostras, exibições de arte e eventos relacionados à cultura no Rio Grande do Sul. A partir de agora, o realizador de atividades culturais no Estado deverá indicar a faixa etária de crianças e adolescentes que poderão assistir ou participar da atração – livre, 10, 12, 14, 16 e 18 anos. O projeto é questionado pela classe artística, que alega que a lei poderia abrir precedentes para a censura prévia e a criminalização do artista.
De autoria de Lucas Redecker (PSDB), hoje deputado federal, o projeto foi apresentado à Assembleia Legislativa em setembro de 2017, logo após a exposição da Queermuseu ter sido cancelada no Santander Cultural – ganhando espaço na imprensa nacional e internacional e gerando ampla discussão sobre o conteúdo da obras e a questão da liberdade de expressão.
– Naquela oportunidade, ficou claro que muitas escolas iam visitar museus sem os pais saberem qual o conteúdo das obras que seriam vistas por seus filhos. Achei que seria prudente nos termos uma classificação indicativa, de acordo com o que existe em filmes e peças de teatro. Assim, antes de ir a qualquer exposição, eles podem saber o que existe nela e autorizar ou não a ida dos seus filhos – diz Redecker.
O projeto do deputado tucano foi aprovado por unanimidade em sessão na AL realizada no dia 18 de dezembro de 2018, com 43 votos. Conforme a secretária de Cultura do Estado, Beatriz Araújo, o projeto é um acordo mútuo entre os poderes Executivo e Legislativo:
– O governador, com a sanção, legitimou a vontade dos deputados, que foram unânimes em seu voto. Em contato com a Casa Civil, obtivemos a informação de que a aplicabilidade da lei depende de regulamentação que ainda não existe.
Ainda não há sanções previstas para quem descumprir a classificação indicativa. Nos próximos seis meses, o Executivo deverá regulamentar a lei, que, no período transitório, seguirá o guia prático da classificação indicativa e nas portarias do Ministério da Justiça.
– O objetivo da lei é ter um critério orientativo para quem vai levar (o menor) a uma atividade cultural, mais do que fiscalizatório. Não é estar barrando pessoas, mas, sim, que se tenha consciência que as adequações são feitas com base em faixas etárias – garante Redecker.
Segundo o projeto, a fiscalização compete aos órgãos de defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, bem como à Secretaria da Cultura. Porém, o Artigo 7º da lei prevê que "qualquer pessoa está legitimada a verificar o cumprimento das normas de classificação indicativa e pode encaminhar representação fundamentada acerca do seu descumprimento aos conselhos tutelares, ao Ministério Público, ao Poder Judiciário, ao Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio Grande do Sul e à Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos".
– Esse projeto tem muitas complicações. Sempre haverá uma denúncia atrás da outra (contra exposições) baseada em critérios subjetivos – receia Gaudêncio Fidélis, curador da exposição Queermuseu, que também questiona sobre como uma atividade na rua poderia ser classificada.
Reação da classe artística
A aprovação do projeto por unanimidade na Assembleia e sua consequente sanção pegou a classe artística de surpresa.
– Nós pedimos que alguns deputados simpáticos à questão da liberdade de expressão acompanhassem o projeto. Mas o projeto não surpreende apenas por ter sido aprovado, mas também que tenha sido perto do Natal, com unanimidade dos parlamentares, inclusive os chamados progressistas – destaca Gaudêncio.
Entidades culturais do Estado têm se reunido para se manifestar sobre o risco de censura que a lei pode significar. Cartas já foram enviadas ao governador e à Secretaria de Cultura, assinadas por 36 entidades. Na última quinta-feira, houve uma reunião no Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul com representantes da Associação Gaúcha dos Produtores, Academia Rio-Grandense de Letras, Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões (SATED/RS), entre outros.
– A questão é que nós artistas e curadores não temos essa capacidade de colocar uma classificação etária. Isso vai contra o ECA, que aponta que essa decisão é dos próprios pais. Nós não temos essa responsabilidade. Isso influencia na criação do artista. A partir do momento que temos que pensar na faixa etária, nos encolhe a liberdade de criação. É tão chocante que exista em 2019. Pegou a todos de surpresa – lamenta Clau Paranhos, vice-presidente da Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa, que participou da reunião no Conselho Estadual de Cultura.
Clau aponta que as entidades devem tentar dialogar com o Ministério Público para rever a lei de classificação indicativa. Além do risco de censura prévia e da criminalização da atividade, a classe artística aponta também uma inconstitucionalidade no projeto, que teria vício de origem, pois o Estado não teria jurisdição para legislar sobre essa questão.
– É uma lei que estabelece censura prévia. Não é um projeto ingênuo de classificação indicativa no sentido informativo como é estabelecido pelo ECA. É inconstitucional e retira do ECA seu princípio mais importante nesse aspecto que é o pedagógico de continuar permitindo que os pais ou os responsáveis sejam aqueles que decidam sob o acesso e, portanto, a educação dos seus filhos e por aqueles que eles são responsáveis – atesta Gaudêncio.
Para Redecker, a preocupação da classe artística não se sustenta:
– O que acontece é o seguinte: as pessoas da área cultural estão se movimentando de maneira contagiada, mas eles não leram o projeto. Tanto que foi aprovado por unanimidade por todos os partidos de situação e oposição. O projeto é 100% orientativo.
Leia o Projeto de Lei 184/2017 na íntegra.