Completando 80 anos nesta segunda-feira (19), Roberto Carlos sempre compartilhou um pouco de sua história em suas músicas. Seja sobre familiares — mãe, pai ou tia —, seja sobre seus amores e desamores, ou seja até sobre traumas pessoais. O Rei apresenta fragmentos sobre sua vida e personagens que o marcaram em algumas canções que compôs com a velha parceria de Erasmo Carlos — que é lembrado em Amigo.
A seguir, confira algumas músicas de Roberto Carlos que contam a história do cantor.
"Traumas" e "O Divã"
Duas canções de Roberto Carlos que fazem referência à infância do cantor. Integrando o disco de 1971, Traumas expõe um período difícil da vida do artista, no qual ele sofria após o acidente que o deixou sem a perna direita aos seis anos. Na ocasião, o pequeno Zunga (apelido de Roberto quando era criança) brincava perto dos trilhos que passava por sua cidade natal, Cachoeiro do Itapemirim (ES), quando foi atingido por um trem.
"Meu pai um dia me falou/ Pra que eu nunca mentisse/ Mas ele também se esqueceu/ De me dizer a verdade/ Da realidade do mundo/ Que eu ia saber/ Dos traumas que a gente só sente/ Depois de crescer/ Falou dos anjos que eu conheci/ No delírio da febre que ardia/ No meu pequeno corpo que sofria/ Sem nada entender".
Em O Divã, que saiu no disco de 1972, Roberto aprofunda mais as suas memórias da infância. Primeiro, ele relata como era sua vida na época:
"Minha casa era modesta mas/ Eu estava seguro/ Não tinha medo de nada/ Não tinha medo de escuro/ Não temia trovoada/ Meus irmãos à minha volta/ E o meu pai sempre de volta/ Trazia o suor no rosto/ Nenhum dinheiro no bolso".
Em seguida, Roberto recorda o acidente:
"Relembro bem a festa, o apito/ E na multidão um grito/ O sangue no linho branco/ A paz de quem carregava/ Em seus braços quem chorava/ E no céu ainda olhava/ E encontrava a esperança/ De um dia tão distante/ Pelo menos por instantes/ Encontrar a paz sonhada".
Curiosamente, o título O Divã inspirou o nome do zagueiro Odvan, ex-jogador que fez história no Vasco entre meados dos anos 1990 e começo dos anos 2000.
"Lady Laura"
Nesta faixa do disco de 1978, o Rei homenageia diretamente a sua mãe, Laura Moreira Braga (1914 — 2010). Em Lady Laura, ele canta:
"Tenho às vezes vontade de ser/ Novamente um menino/ E na hora do meu desespero/ Gritar por você/ Te pedir que me abrace/ E me leve de volta pra casa/ Que me conte uma história bonita/ E me faça dormir/ Só queria ouvir sua voz/ Me dizendo sorrindo:/ Aproveite o seu tempo/ Você ainda é um menino/ Apesar da distância e do tempo/ Eu não posso esconder/ Tudo isso eu às vezes preciso/ Escutar de você".
"Meu querido, Meu Velho, Meu Amigo"
No disco seguinte, em 1979, foi a vez de Roberto Carlos cantar sobre seu pai. No entanto, Robertino Braga morreria pouco depois da homenagem, em 27 de janeiro de 1980, aos 84 anos. Na letra, o Rei descreve:
"Esses seus cabelos brancos, bonitos/ Esse olhar cansado, profundo/ Me dizendo coisas num grito/ Me ensinando tanto do mundo/ E esses passos lentos de agora/ Caminhando sempre comigo/ Já correram tanto na vida/ Meu querido, meu velho, meu amigo/ Sua vida cheia de histórias/ E essas rugas marcadas pelo tempo/ Lembranças de antigas vitórias/ Ou lágrimas choradas ao vento/ Sua voz macia me acalma/ E me diz muito mais do que eu digo/ Me calando fundo na alma".
"Minha Tia"
Nesta canção do disco de 1976, Roberto Carlos fala sobre o período que deixou Cachoeiro do Itapemirim (ES) para tentar a carreira artística no Rio de Janeiro, ainda adolescente. Um retrato de seu período de persistência durante a escalada profissional.
Primeiro, ele se instalou na casa de sua tia Jovina, em Niterói. Mais tarde, se mudaria para o subúrbio do Rio, onde viveria com sua família em Lins de Vasconcelos, na zona norte da capital fluminense. Antes disso, sua mãe viveu com a irmã, Antonica Moreira, enquanto procurava por uma casa na cidade.
Segundo Jotabê Medeiros escreve na biografia Roberto Carlos: Por Isso Essa Voz Tamanha, Minha Tia presta uma homenagem dupla: à Antonica e à pianista Amélia Batista Nery. A tal Titia Amélia tinha formação erudita e dominava a arte do choro. Ela frequentava os shows de auditório que o Rei se apresentava e chegou a acompanhá-lo em alguns recitais.
"Titia Amélia há quanto tempo a gente não se vê/ Mas acredite eu me lembro sempre muito de você/ Eu não me esqueço aquele tempo/ E a saudade me machuca/ Quando eu ficava em sua casa/ Numa vila da Tijuca/ Você sabia que eu queria ser cantor profissional/ E vinha lá de Niterói pra ir à Rádio Nacional/ Usando aquele antigo e tão surrado/ Meu blusão de couro/ Ia cantar minha esperança/ Num programa de calouros/ A minha vida mudou eu sei/ Mas as lembranças eu guardarei/ Tudo vai bem, titia, pode crer/ Eu me lembro sempre de você/ Troquei a vida lá da vila por arranha-céus gigantes/ E aquela sua comidinha eu não encontro em restaurantes/ Eu já não faço a minha cama como antes eu fazia/ E a minha roupa limpa tem um jeito de lavanderia/ Titia, o meu endereço é uma grande confusão/ Estou morando atualmente dentro de um avião/ Não se preocupe que problemas/ Você sabe muito bem/ Em Niterói, Tijuca ou Londres/ Todo mundo sempre tem".
"Amigo"
Presente no álbum de 1977, é uma homenagem explícita do Rei ao seu parceiro de composições, Erasmo Carlos. Roberto começou a compor esta faixa em segredo. Ele apresentou a música ao Tremendão durante um jantar, que chorou copiosamente. Em sua autobiografia Minha Fama de Mau, Erasmo relata: "Minhas lágrimas vieram com uma abundância de fazer inveja ao mar de Ipanema". A letra expressava também tudo o que ele gostaria de dizer a Roberto.
"Você meu amigo de fé, meu irmão camarada/ Amigo de tantos caminhos e tantas jornadas/ Cabeça de homem mas o coração de menino/ Aquele que está do meu lado em qualquer caminhada/ Me lembro de todas as lutas, meu bom companheiro/ Você tantas vezes provou que é um grande guerreiro".
"Quero Que Vá Tudo Pro Inferno"
Gravada e lançada no disco Jovem Guarda (1965), é inspirada em sua então namorada, Magda Fonseca. Ela tinha ido para os Estados Unidos para fazer um curso de inglês. Embora tentassem manter o relacionamento a distância, os dois iam se afastando aos poucos um do outro. Em um momento de inconformismo, enquanto estava em uma sala de cinema, o jovem cantor foi rascunhar em um papel a letra de Quero Que Vá Tudo Pro Inferno. No desabafo da canção, ele expressa a saudade que sentida da namorada e que nada mais importava naquele momento.
"De que vale a minha boa vida de playboy/ Se entro no meu carro e a solidão me dói/ Onde quer que eu ande tudo é tão triste/ Não me interessa o que de mais existe/ Quero que você me aqueça nesse inverno/ E que tudo mais vá pro inferno".
Roberto também escreveu A Volta para Magda, que seria gravada primeiro pelo grupo Os Vips, dizendo o seguinte: "Estou guardando o que há de bom em mim / Para lhe dar quando você chegar".
Sobre a fama
Em mais de uma ocasião, Roberto desabafou em suas letras sobre as críticas e pressões que sofria com a fama. Em Querem Acabar Comigo, de seu disco de 1966, ele canta:
"Querem acabar comigo/ Nem eu mesmo sei porque/ Enquanto eu tiver você aqui/ Ninguém poderá me destruir/ Querem acabar comigo/ Isso eu não vou deixar".
No disco de 1976, já em sua fase de "latin lover", Roberto traria um desabafo ainda mais explícito em Ilegal, Imoral ou Engorda:
"Vivo condenado a fazer o que não quero/ De tão bem comportado às vezes eu me desespero/ Se faço alguma coisa sempre alguém vem me dizer/ Que isso ou aquilo não se deve fazer/ Restam meus botões, já não sei mais o que é certo/ E como vou saber o que devo fazer/ Que culpa tenho eu, me diga amigo meu/ Será que tudo o que eu gosto/ É ilegal, é imoral ou engorda".
Em Mexericos da Candinha, do disco Jovem Guarda (1965), Roberto responde à coluna de fofocas que dá nome à música:
"A Candinha vive a falar de mim em tudo/ Diz que eu sou louco, esquisito e cabeludo/ E que eu não ligo para nada/ Que eu dirijo em disparada (...) A Candinha quer fazer da minha vida um inferno/ Já está falando do modelo do meu terno/ E que a minha calça é justa/ Que de ver ela se assusta/ E também a bota que ela acha extravagante/ Ela diz que eu falo gíria/ E que é preciso maneirar".
Nice
Gravada para o disco Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1967), a música é uma declaração de amor a Cleonice Rossi. Mais conhecida como Nice, ela foi casada com o músico entre 1968 e 1979, e teve dois filhos com o cantor: Roberto Carlos Braga II e Luciana. Nice morreria em decorrência de um câncer em 1990, com o artista a apoiando até os últimos dias.
"Nem mesmo o céu, nem as estrelas/ Nem mesmo o mar e o infinito/ Não é maior que o meu amor, nem mais bonito/ Me desespero a procurar/ Alguma forma de lhe falar".
Por Nice ser desquitada, Roberto Carlos não poderia se casar com ela no Brasil — a Lei não permitia novo casamento na época. O matrimônio do casal foi realizado na Bolívia. Segundo Paulo Cesar de Araújo relata no livro Roberto Carlos em Detalhes, o artista não se conformava com o fato de não oficializar o que sentia por Nice. Antes do casamento, o relacionamento dos dois era escondido do público. Foi pensando nessa situação que o músico escreveu Amada Amante, que integra o disco de 1971: "Esse amor sem preconceito/ Sem saber o que é direito/ Faz as suas próprias leis".
Porém, as partes difíceis do relacionamento com Nice também foram cantadas por Roberto. Uma dessas músicas era Sua Estupidez, do disco de 1969. Conforme transcreve Araújo em sua biografia do Rei, o cantor afirmou em entrevista que a faixa é "um grito de alerta às pessoas que amam", mas "vivem infelizes porque dão muito valor a detalhes insignificantes". "É horrível conviver com gente que se aborrece por qualquer coisinha", refletiu o músico.
O biógrafo destaca que a canção tinha endereço certo: Nice, a quem ele sempre chamava carinhosamente de "meu bem". "Meu bem, meu bem/ Você tem que acreditar em mim/ Ninguém pode destruir assim/ Um grande amor/ Não dê ouvidos à maldade alheia/ E creia/ Sua estupidez não lhe deixa ver/ Que eu te amo".
Já em Fera Ferida, lançada no disco de 1982 (três anos após a separação), Roberto canta sobre o rompimento: "Acabei com tudo/ Escapei com vida/ Tive as roupas e os sonhos/ Rasgados na minha saída/ Mas saí ferido/ Sufocando meu gemido".
"Emoções"
Aqui Roberto entrega as emoções que sente no palco, ao reencontrar o público em cada show. A faixa foi composta pelo músico em parceria com Erasmo para expressar esse "momento lindo". Foi uma canção feita para o espetáculo. Ou pode servir também para alguém descrever o que sente ao rever um grande amor.
"Quando eu estou aqui/ Eu vivo esse momento lindo/ Olhando pra você/ E as mesmas emoções sentindo"
"Fim de Semana"
Roberto compôs esta música, que integra o disco de 1982, para relatar a felicidade que sentia ao reencontrar os filhos.
"Uma vem correndo, me beija sorrindo/ A outra diz, papai já vem vindo/ Vai ser lindo esse fim de semana/ Ele então me abraça e é tão carinhoso/ E me diz que estava ansioso/ Por chegar esse fim de semana".
Myrian Rios
Roberto Carlos se relacionou com a atriz nos anos 1980 e, durante o relacionamento, ela inspirou algumas canções: das picantes Cama e Mesa ("Você é o doce que eu mais gosto/ Meu café completo, a bebida preferida e o prato predileto/ Eu como e bebo do melhor e não tenho hora certa/ De manhã, de tarde, à noite, não faço dieta") e Pelas Esquinas da Nossa Casa ("Vamos nós nesse carinho, mas paramos no caminho/ Dessa vez no corredor/ Mãos e abraços que doçura, mais abaixo ou na cintura/ Tudo é sempre sedutor") até baladas românticas, como Eu Preciso de Você ("Como a abelha necessita de uma flor/ Eu preciso de você e desse amor").
No disco de 1985 que há uma canção mais descritiva sobre sua relação com Myrian, intitulada A Atriz, que traz uma letra que expõe um ciúme: "Chego em casa, encontro apenas seu perfume/ Alimento certo, nutritivo pro ciúme/ Um bilhete escrito com batom me diz assim/ Entre um take e outro eu telefono, pense em mim/ Pra me relaxar ligo a televisão/ Mas que tolice, a minha triste tentativa em vão/ Ela me aparece com alguém que não sou eu/ Vejo noutros braços tudo aquilo que é meu/ Vejam só vocês que foi que eu fiz/ Fui me apaixonar por uma atriz".
Maria Rita
Após o término de seu relacionamento com Myrian, Roberto engatou o romance com Maria Rita em 1990 (aliás, o disco daquele ano traz canções inspiradas no rompimento com a atriz). O cantor se casaria com a nova amada, porém a morte os separou em 1999: ela sucumbiu ao câncer, aos 38 anos.
Roberto era extremamente apaixonado por Maria Rita. Depois da perda, ele dedicaria dois discos a ela: Amor Sem Limite (200o) e Pra Sempre (2003). São dois álbuns que, na maioria das faixas, Roberto canta sobre um amor incondicional, devoto e infinito, em faixas como Eu Te Amo Tanto, O Grude (Um Do Outro), O Amor É Mais, além das próprias músicas que dão título a cada álbum.
Em O Grande Amor da Minha Vida, Roberto repassa sua trajetória com Maria Rita: "A primeira vez em que eu te vi/ Eu nunca me esqueci daquele dia/ Tão cheio de ternura e de alegria/ Começava o nosso grande amor".