Maria Rita não pede mais licença para sambar. Empresta, sem pudor, sua voz para composições de grandes sambistas. Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz, entre outros, agradecem. Completando 15 anos de carreira, a cantora volta a mostrar essa intimidade que adquiriu com o samba – gênero que adotou há uma década – nesta sexta-feira (23) em Porto Alegre, quando apresenta a turnê de seu mais recente álbum, Amor e Música. O show será às 21h no Auditório Araújo Vianna (veja detalhes abaixo). A GaúchaZH Maria Rita contou sobre a produção do novo álbum, sobre os desafios de ser artista no Brasil atual e sobre a forma como a música moldou sua vida.
Em 2018, você comemora 15 anos de carreira na música. Em entrevistas anteriores você comenta que o processo de aceitar o poder que a música exerce em sua vida foi pesado e doloroso. Qual o balanço que você faz desses 15 anos de carreira?
O processo foi solitário e doloroso. Foi algo que só eu tinha que passar, eu precisava tirar minhas conclusões no meu tempo e respeitar esse tempo. A música sempre fez parte da minha vida, sempre tive uma relação muito profunda com ela, e meu entendimento de fazer música sempre foi a partir da necessidade e do respeito absoluto pela música. Fui criada pelo meu pai (o pianista e arranjador Cesar Camargo Mariano) dizendo que "música é com M maiúsculo", que é entretenimento para os outros mas que para a gente é o nosso ganha-pão. E sendo o entretenimento dos outros, é uma responsabilidade muito grande. Tendo disso isso, a música vem me colocar no mundo, porque de certa forma, por mais que eu fosse sempre uma excelente estudante, tivesse feito faculdade com excelentes resultados, sempre faltava alguma coisa. E a música me dá esse lugar no mundo, me deixa serena. A batalha vira outra, não é mais de sobrevivência, de me entender. Ela passa a ser de um legado, de crescimento, de até onde eu consigo ir, de explorar minhas limitações e de quem está à minha volta para que eu consiga exercer minha profissão da melhor maneira possível. A música me mata um pouco a cada dia mas ela me salva sempre, todos os dias.
Ao longo da última década, você vêm se consolidando como uma excelente sambista. O que o álbum Amor e Música traz de novo na estética do samba?
Eu volto a usar a sonoridade mais tradicional, com cavaquinho, banjo, percussão, mas tem um caminho que eu ainda não tinha explorado, que é estender o convite para arranjadores diversos, que acabam trazendo identidades diferentes para o disco, e aí o fio condutor é a minha voz, a interpretação, a escolha de repertorio. É uma forma também de preservar e privilegiar a voz, o instrumento voz, e eu acho que as diferenças estão mais nas questões de pós-produção, de mixagem, do equilíbrio que eu tive no estúdio enquanto produtora. O uso de coro, por exemplo, foi algo que eu mesma fiz e nunca tinha feito. São pequenos detalhes em comparação com o todo. De sonoridade, de estética, não sinto que tenha uma diferença tão grande justamente por eu voltar a utilizar os instrumentos mais tradicionais do samba.
Você nunca abriu mão de produzir seus trabalhos, e em Amor e Música não foi diferente. Por quê? É uma forma de ter mais controle do processo?
Não. Eu gosto de produzir, é algo que sempre fiz, sempre me envolvi profundamente e intensamente com meus discos e meus shows. Pra mim não funciona entrar no estúdio um dia e me falarem que será feito de tal forma. Eu tenho muita paixão pelo que eu faço. É como um filho, eu não consigo deixar um filho nas mãos de outra pessoa para fazer o que eu deveria estar fazendo. O distanciamento não funciona, e eu percebi isso no início, quando trabalhava com Tom Capone (produtor do primeiro disco de Maria Rita). Eu que trouxe a sonoridade, a interpretação. Eu sou muito séria no que eu faço, sou muito entregue ao meu ofício, eu não tenho nem a maturidade de deixar na mão de outra pessoa. A sensação que eu tenho é que se eu fizesse isso, eu estaria enganando meu público.
Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Marcelo Camelo... Assim como em álbuns anteriores, o time de compositores deste é excelente. São eles te escolhem para interpretar as canções? Ou você escolhe eles?
Neste disco especificamente eu fui atrás deles, mas eles me escolhem também. Eu já recebi algumas músicas de compositores e quando eles me entregam, eles dizem "essa música eu fiz para você, pensando em você". Isso é um presente inacreditável, é um privilégio sem fim. Fico muito emocionada quando me deparo com uma situação dessas. Fico até meio sem jeito porque é entender que um compositor canaliza sua arte, seu dom incrível de compor melodia e poesia, e penso que a minha voz, meu instrumento vai complementar, vai agregar a isso. Para esse disco especificamente, Marcelo Camelo me escreveu que eu pedi. Assim como fio com outros compositores. Geralmente é assim: quando estou em período de pré-produção vou pedindo para amigos, parceiros. É um pouco de tudo, mas eu honestamente prefiro que os compositores mandem para mim ao invés de eu pedir, para não correr risco de eles escreverem algo pensando em mim. Acho que daí pode dar uma descaracterizada, porque enquanto intérprete meu interesse é no desafio de cantar e interpretar uma obra alheia, a criação do outro, não que eles escrevam pensando em mim.
Você diz que o novo álbum, lançado no início de 2018, carrega um forte simbolismo porque é alegre, mas tem um fundo triste relacionado à realidade do Brasil. Nos últimos meses, o país mergulhou em um período ainda mais tenso e triste. De que forma a música pode interferir, ou até ajudar, neste processo?
A música e a cultura, de forma geral, são a voz de uma nação, são a voz de um povo da realidade, porque muitas vezes o artista entende a realidade e consegue transformar ela e expor ela de uma forma que talvez o outro não perceba, não entenda. Digo isso com muita tranquilidade porque não sou compositora, e para mim a relação com a música é muito forte quando eu ouço a minha verdade, a minha história, na melodia e na poesia de outra pessoa. Isso se dá também em filme, em livro. A cultura e a música tem a capacidade de explicar e transformar a realidade, de elevar a alma humana. Um país sem cultura, sem memória, é um país sem historia. Fico muito apreensiva com essa fase em que estamos entrando, em que estranhamente os agentes da cultura, produtores de cultura em geral viraram inimigos da nação. Isso não é verdade. Acho que mais do que nunca os artistas estão se movendo um em direção a um movimento agregador, de resistência, de inteligência emocional, de serenidade. O inconsciente coletivo de uma nação, a historia de uma nação, muitas vezes é traduzidos e explicado graças à cultura, aos agentes de criação e produção cultural.
Ser artista hoje no Brasil é um ato de coragem?
Está sendo, infelizmente. Estranhamente, do nada, parece que artista virou inimigo, e não é. O entretenimento é fundamental para o ser humano. A música faz a trilha sonora da vida das pessoas. Ninguém comemora nada, nem a morte, sem uma trilha sonora. As pessoas, para esquecerem seus problemas, utilizam o audiovisual, os livros. É inacreditável que se tenha caído nessa propaganda superficial de quinta categoria de que o artista é inimigo. Acho lamentável. Ser artista, na verdade, sempre foi um ato de coragem, por causa da realidade do país, da dificuldade de se fazer arte no país, mas ultimamente, especialmente de uns meses para cá, piorou. E a tendência é que isso se intensifique. Mas a fibra principal do artista é a coragem, o artista não pode ceder, a alma não permite.
O que o público pode esperar da turnê Amor e Música?
Amor e musica é um show de entrelinhas. Quem quiser se divertir, vai se divertir, mas quem quiser prestar atenção nestas entrelinhas vai sair de lá com algo mexendo na alma e na cabeça. É um show que provoca, que enfia o dedo em algumas feridas. É um show corajoso pela escolha de cenário, de roteiro. E é muito bonito, colorido, brilhante. É um show que eu tenho muito orgulho de ter conseguido montar. É um show de resistência, de resiliência. O show tem alguns momentos muito fortes, mas fico meio assim de dizer porque tenho receio de estragar a surpresa, ainda mais em Porto Alegre, que tem esse público tão querido e tão caloroso comigo. É um lugar que tenho muito orgulho de ir, de ser recebida do jeito que eu sou por conta da minha historia com a cidade.
MARIA RITA
Nesta sexta-feira (23), às 21h.
Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 80 (plateia alta lateral/1º lote), R$ 120 (plateia baixa lateral/1º lote e plateia alta lateral/2º lote), R$ 140 (plateia alta central/1º lote), R$ 160 (plateia baixa lateral/2º lote), R$ 180 (plateia baixa central/1º lote e plateia alta central/2º lote), R$ 220 (plateia baixa central/2º lote e plateia gold/1º lote) e R$ 260 (plateia gold/2ºlote).
Sócios do Clube do Assinante têm desconto de 50% nos cem primeiros ingressos vendidos na bilheteria e 10% nos demais ingressos.
Ponto de venda sujeito a taxa: site uhuu.com. Pontos de venda sem taxa: bilheteria do Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80) e no Auditório Araújo Vianna, no dia da apresentação, a partir das 16h.