A Associação Profissional dos Técnicos Cinematográficos do Rio Grande do Sul (APTC-RS) recolocou no ar a live sobre o filme Inverno (1983), realizada na última sexta-feira (3) com os profissionais envolvidos no longa-metragem dirigido por Carlos Gerbase. O vídeo da transmissão ao vivo havia sido retirado dos canais da entidade por conta da repercussão negativa da fala de uma participante da conversa, que gerou um debate sobre racismo no setor audiovisual do Estado.
Em uma pergunta sobre as influências estéticas de Inverno, que lembravam o cinema francês, segundo o mediador Giordano Gio, a atriz e produtora do filme Luciana Tomasi citou os sobrenomes dos profissionais como justificativa:
"Tu tá falando com um Schünemann, com uma Tomasi, uma Adami, um Gerbase... Não adianta a gente tentar fazer um filme da senzala, entende? Não seria o nosso melhor. Então cada um tem que mostrar o que curtia e como é que veio. Então eu acho que eu tava totalmente ambientada. Inclusive eu tenho sangue francês também, não adianta, então cada um faz da sua história. É um filme roots, total", disse.
Após a manifestação, a live seguiu sem ser interrompida. O assunto só foi pautado novamente na discussão quando a diretora e roteirista Mariani Ferreira, única negra participando da conversa sobre Inverno, respondeu a Luciana dizendo que "Porto Alegre também é de Oliveira Silveira".
Aviso

A gravação da live foi disponibilizada novamente no Facebook e no canal do Youtube da APTC com um "aviso de conteúdo de cunho racista", seguido de uma mensagem na descrição em que a entidade pede desculpas pelo "erro de não ter reagido com a urgência necessária à situação, não se posicionando imediatamente."
"Assistir as falas de cunho racista e o silêncio dos presentes neste debate, é desconfortável, doloroso e ofensivo. Porém, é importante deixar disponível o registro dessa discussão na íntegra, para que não caiamos no erro de invisibilizar o debate em uma sociedade contaminada pela forte herança colonial e escravocrata, contexto no qual essa entidade surgiu e se consolidou", diz parte da mensagem.
Além de Mariani e Luciana, participaram também da live Carlos Gerbase, Giba Assis Brasil, montador do filme, e Luciane Adami, atriz.

Repercussão
— Racismo é crime. E o vídeo é uma prova de que o racismo aconteceu. A resposta pública também demorou bastante. Quando a gente vê uma situação de injustiça, a gente precisa responder com rapidez. As palavras ditas na live são palavras que exemplificam uma estrutura racista — comentou Mariani Ferreira em entrevista a GaúchaZH na segunda-feira (6).
Após a live, o Coletivo Macumba Lab, que representa profissionais negros e negras do audiovisual no Rio Grande do Sul, divulgou uma nota repudiando o fato de os negros ainda serem associados apenas à escravidão.
"Nossa existência é muito maior do que apenas a história da dor que nossos ancestrais sofreram nas mãos dos europeus e seus descendentes. Filmes feitos por pessoas negras são filmes e ponto. Cineastas pretos têm abordado em seus trabalhos diversos assuntos, com sensibilidade e talento. Lamentamos profundamente que em 2020 ainda se conheça tão pouco sobre a cultura brasileira."
Luciana pediu desculpas pela fala em um texto divulgado nas redes sociais, assinado por ela e por Gerbase:
"A palavra 'senzala' foi usada de forma infeliz e racista. Além disso, a discussão sobre o machismo no filme foi por nós abordada de forma superficial. Assumimos estes erros e tentaremos melhorar. Enviamos um pedido de desculpas à cineasta Mariani Ferreira, mas agora fazemos publicamente. Não conseguíamos durante a live debater e ler os comentários ao mesmo tempo, então não foi nosso intento ignorar a discussão sobre racismo que estava acontecendo", diz a publicação.
